A sensação de estar numa lata de sardinhas, toda vez que embarcava no ônibus em São Cristóvão para ir ao trabalho, no Centro do Rio, fez com que o garçom Márcio Duarte decidisse, há quatro anos, comprar uma moto para driblar o trânsito cada vez pior da cidade.
Além da superlotação, o aumento no tempo de deslocamento também pesou muito. Ele calcula que, em uma década, a curta distância entre um bairro e outro, que são quase vizinhos, foi estendida em pelo menos 20 minutos.
A mudança na rotina de Márcio é consequência dos problemas enfrentados diariamente por milhares de moradores do Rio, agora traduzidos em números no diagnóstico feito pelo Plano Diretor de Transportes Urbanos (PDTU).
Entre outras coisas, o documento revela que, em dez anos, a população do estado segue na direção contrária da tendência mundial, que é a de apostar no transporte coletivo: entre 2002 e 2012, a proporção de usuários a optarem pelo deslocamento individual motorizado (táxis, motocicletas e carros particulares) aumentou de 25,8% para 28,5%, e a dos que usam o coletivo caiu de 74,2% para 71,5%.
— Comprei a moto devido ao trânsito e ao desconforto dos ônibus lotados. Durante um período de seis a sete anos, o trânsito ficou mais complicado para mim, muito em razão de obras. Antigamente, levava uns 15 minutos de viagem de ônibus até o trabalho. Hoje, levaria de 40 a 45 minutos, ou até mais, dependendo do que aconteça. Um acidente pode parar a cidade. De moto, levo dez minutos até chegar ao meu trabalho. Não vou mais em pé no ônibus — diz Márcio.
O sufoco de usuários dos serviços de transporte coletivo foi discutido, na quarta-feira, na primeira reunião do Conselho Municipal de Transporte, recém-criado pela prefeitura para buscar melhorias para a mobilidade urbana, após a onda de protestos iniciada em junho.
Os dados preliminares foram apresentados por técnicos do estado com base em dados de 19 cidades da Região Metropolitana (capital, Niterói e Baixada). O relatório final do PDTU só deve estar pronto em novembro.
O conselho tem 24 integrantes — metade são representantes do governo, e os demais, da sociedade civil. Mas, em suas cadeiras, não há sequer um representante de concessionárias responsáveis por serviços, como metrô e trens, exceto do Rio Ônibus.
A curva crescente de uso do transporte individual está enchendo as ruas de carros: em dez anos, são mais 660 mil viagens diárias em transporte individual. Destas, são 550 mil de carro e 110 mil em motocicletas — que parecem ter se consagrado como alternativa dos usuários para escapar dos engarrafamentos. No mesmo período, a população cresceu 9,3%.
Nem mesmo o acesso ao metrô, sempre considerado uma das melhores opções de transporte, tem sido capaz de garantir uma rotina menos desgastante. Com o passar dos anos e a falta de investimento em outros modais que complementassem o metrô, a qualidade do serviço também se deteriorou.
O advogado Victor Moura, de 44 anos, também comprou uma moto para ir de casa, na Tijuca, para o trabalho, no Centro, depois de anos usando o metrô. Agora que se mudou para a Barra é que não pensa mesmo em voltar a usar o transporte público. Quando chove ou precisa fazer compras, ele vai de carro.
— Antes eu usava o metrô, mas ele passou a ficar absurdamente lotado. Os furtos se tornaram frequentes. E a coisa só a piorou com a junção da Linha 2 — afirma o advogado.
Mais pobres perdem mais tempo no trânsito
A perda de tempo no trânsito é ainda maior entre os que têm menor poder aquisitivo. A população que ganha até dois salários mínimos reúne o maior percentual dos que perdem duas horas ou mais cada vez que saem de casa para ir ao trabalho, por exemplo.
Para os conselheiros, o crescimento maior do transporte individual foi favorecido pelo aumento do poder aquisitivo da população, aliado a políticas públicas, como a concessão de incentivos fiscais para montadoras de automóveis e o preço defasado da gasolina.
Em números absolutos, houve um aumento no total de passageiros que usa transportes coletivos. Os deslocamentos diários aumentaram de 9,3 milhões para 11 milhões. Juntos, metrô e trem representaram 87% desse aumento. A participação das vans caiu.
Os trabalhos do PDTU ainda não entraram na fase de propostas de indicadores a serem alcançados de metas de qualidade — consideradas fundamentais para mudar o quadro atual — e de iniciativas que estimulem o uso do transporte de massa:
— Medir a qualidade seria fundamental. O estudo não pode se limitar a dados matemáticos — disse o vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Pedro da Luz Moreira, que participou da reunião do conselho como representante da entidade.
Para a diretora do movimento Rio Como Vamos (RCV), Thereza Lobo, que também é conselheira, o estudo deveria propor parâmetros para melhorar a acessibilidade das estações de metrô e trens, levando em conta o fato de que a população está envelhecendo:
— O conjunto de informações é enorme. E exigirá reflexões sobre a melhoria do padrão de qualidade do transporte de massa.
Conselheiro, o engenheiro Fernando Mac Dowell observa que o conselho deve estar atento às diferenças na demanda pelos serviços:
— Outro grande problema é que o aumento da procura se dá de forma proporcional. No ramal de trens de Deodoro, houve um crescimento de 94% em detrimento das demais linhas.
Os técnicos do estado não quiseram comentar os dados do PDTU. O secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osorio, disse que a prefeitura já está investindo para estimular o uso do transporte público, com o BRT e o BRS, que, em 2016, passarão a responder por metade das quatro milhões de viagens diárias de ônibus na cidade do Rio.
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