O sistema de trânsito rápido TransBrasil, que unirá a região metropolitana com o centro do Rio de Janeiro, será o corredor de alta velocidade com maior demanda de passageiros do mundo. A pergunta é: tem a ver com o desenvolvimento? Os grandes investimentos que a capital carioca está encarando para abrigar acontecimentos como os Jogos Olímpicos 2016 abriram uma brecha para que os especialistas proponham aos governantes um batismo de fogo: aprender o que é mobilidade urbana sustentável, ou melhor, o desenvolvimento voltado ao transporte.
Outra brecha foi aberta pelos protestos de junho no Rio e em outras cidades, nos quais os problemas do transporte ocuparam um lugar central. As imagens de engarrafamentos e filas de centenas de metros de pessoas esperando para tomar o metrô deram a volta ao mundo quando o papa Francisco visitou o Rio de Janeiro este ano. Ainda que pareça, o desenvolvimento orientado ao transporte não é um conceito novo, pontuou o planejador urbano Robert Cervero, da Universidade de Berkeley.
“A ideia é aproveitar esses enormes investimentos públicos em ônibus de trânsito rápido (BRT) para que as comunidades sejam mais sustentáveis, com menor poluição, e que a vida seja mais viável e haja benefícios para a saúde”, afirmou Cervero ao Terramérica. “Nos Estados Unidos há uma grande incidência de obesidade em parte porque dirigimos muito e caminhamos pouco”, disse, como exemplo.
O corredor TransBrasil, exclusivo para ônibus, terá 32 quilômetros de comprimento e por ele serão transportadas 820 mil pessoas por dia. O orçamento é de US$ 570 milhões e a obra, em fase de licitação, deverá demorar 36 meses. Cada cidade e cada cultura deve adotar seu próprio desenvolvimento voltado ao transporte, opinou Cervero. “É preciso focar na capacidade transformadora que têm os corredores de BRT, subterrâneos e metrô, e converter suas estações em centros para reorganizar o desenvolvimento, com uso misto do solo: casas, escritórios, restaurantes”, afirmou.
Favelas superpovoadas nos morros do Rio continuam impenetráveis ao transporte público. Foto: Fabíola Ortiz/IPS
“Queremos que as pessoas andem de bicicleta e caminhem. Então, temos de criar lugares socialmente atraentes, que sejam algo além de locais para entrar e sair do trem ou do ônibus. Deve haver espaços cívicos, praças onde as pessoas se reúnam, mercados ao ar livre seguros e confortáveis”, argumentou Cervero. A “enorme oportunidade” de organizar dois acontecimentos como a Copa do Mundo em 2014 e os Jogos Olímpicos em 2016 ocorre uma vez na vida, e “ninguém quer desperdiçar”, apontou.
Entretanto, o mais importante é o que “fica depois”. Tomara que os investimentos “não se destinem apenas à infraestrutura dos encontros esportivos, mas que possam servir as pessoas e as comunidades”, destacou Cervero. Isso, desde logo, exige planejamento. O especialista visitou o Brasil para participar do seminário As Cidades Somos Nós, realizado no dia 8 deste mês pelo governamental Instituto de Políticas para o Transporte e o Desenvolvimento (ITPD) para convidar autoridades e políticos e repensarem o potencial do TransBrasil.
Esse redesenho urbano ainda não foi feito no Rio de Janeiro e a cidade está longe de vivenciá-lo, segundo a diretora do ITPD Brasil, Clarisse Linke. A quantidade de veículos particulares por habitante cresceu 60% na última década. Pelas ruas circulam 2,5 milhões de automóveis e estima-se que até 2015 chegarão a três milhões. O Rio tem população de 6,4 milhões de habitantes. Em média, os cariocas passam uma hora e meia por dia viajando para cumprir suas obrigações. Porém, aumenta o número dos que gastam quatro e até seis horas diárias para ir de casa para o trabalho.
A grande questão é como integrar o planejamento urbano com o transporte para que a cidade seja mais justa e viável, disse Linke ao Terramérica. O TransBrasil percorrerá uma via estartégica para unir os subúrbios com o centro: a emblemática avenida Brasil, que atravessa dezenas de bairros pobres. “Hoje, essa avenida é uma cicatriz em uma área degradada da cidade. O corredor do BRT pode revitalizar todos os bairros próximos das estações”, destacou.
O BRT, implantado hoje em dezenas de cidades do mundo, é uma invenção brasileira. Nasceu em 1974 na cidade de Curitiba, convertida em modelo internacional de transporte sustentável. No Rio de Janeiro, a mobilidade é caótica, admitiu a funcionária da Secretaria Municipal de Urbanismo, Maria Luiza Korenchendler. No entanto, uma vez concluído o TransBrasil, o tempo que se leva para ir das periferias ao centro cairá 40%, afirmou. “A grande transformação urbana será criar uma área de interesse urbanístico especial em torno da avenida Brasil”, enfatizou ao Terramérica.
Cervero, que já visitou o Brasil várias vezes, constata seu rápido e intenso crescimento industrial. E alerta que suas cidades não deveriam se tornar dependentes do automóvel como ocorre nos Estados Unidos. Os BRT têm a vantagem de reduzir o tempo de traslado, desestimular a viagem particular e permitir o transporte de grandes quantidades de pessoas a custos menores. “Nem mesmo é preciso muito dinheiro, mas um plano para orquestrar o desenvolvimento e compromissos públicos para atrair investimentos privados”, destacou.
Originalmente publicada no portal Envolverde/Terramérica.
* A autora é correspondente da IPS.
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