Quando vendeu o carro há cinco anos, a fotógrafa Marta Santos perdeu a direção. Por pouco tempo. Logo ela aprendeu a andar de metrô, em seguida de ônibus e, por fim, a circular pela cidade de bike, sua modalidade de transporte – ou modal, como dizem os especialistas em mobilidade urbana – preferida. “Levo uma mochila para o trabalho e, na volta, passo no mercado. É saudável, prático e muito mais econômico”, conta ela, que no início tinha certo receio de enfrentar o trânsito de São Paulo. Hoje, garante, os motoristas respeitam muito mais o ciclista.
Marta ilustra uma recente conscientização do paulistano sobre a mobilidade urbana. Segundo pesquisa do Instituto Ipespe realizada entre 2011 e 2013, 57% dos jovens da cidade de São Paulo deixaram o automóvel de lado e passaram a usar mais transporte público e bicicleta em busca de uma melhor qualidade de vida. Coautor do livro “Como Viver em São Paulo Sem Carro” (Editora Neotropica), o jornalista Leão Serva confirma que houve uma mudança importante de postura e escolhas em relação à mobilidade urbana.
Há um ano, quando Leão começou a fazer as entrevistas para o primeiro guia, muita gente desacreditava que seria possível deixar o carro na garagem. “Achavam que era piada minha. Já para a edição de 2013, pouquíssimas vezes alguém reagiu com surpresa”, Leão compara. Entre os personagens da segunda edição do livro de Serva e do empresário Alexandre Lafer Frankel estão o fundador do site Caronetas Márcio Nigro, a atriz Nathália Rodrigues e a estilista Geórgia Halal, que há oito anos se mudou para São Paulo.
Quando chegou à capital, a gaúcha dirigiu por alguns meses, mas não se adaptou ao trânsito caótico da cidade. “Comecei a me questionar sobre a necessidade de usar o carro. Passei então a andar muito a pé, a usar o transporte público e depois a andar de bike. Hoje faço tudo pelo bairro de bicicleta”, conta Georgia, que mora em Pinheiros. Como criadora ela sempre procura falar de seu universo e já que a bike havia entrado em seu dia a dia, Georgia lançou uma coleção de “bike chic” no verão passado. “A aceitação foi muito legal. Percebo a mudança de hábito das pessoas, que estão procurando alternativas ao carro, como a bike”.
Buenos Aires: 400 km de ciclovias
Apesar do avanço percebido por Marta, Leão e Georgia, o Brasil ainda está na retaguarda do mundo nas ciclovias. “Basta olharmos para nossos vizinhos, como Buenos Aires. Ao tirar o estacionamento de carros junto à calçada, foram criados 400 km de ciclovia, reservando a garantia de segurança aos ciclistas”, observa Leão.
A carência de vias exclusivas para a bicicleta é uma das pautas do primeiro portal nacional de mobilidade urbana sustentável, o Mobilize Brasil, que oferece uma radiografia da acessibilidade no país. Para Cristina Ribeiro, diretora-presidente do portal, uma calçada bem cuidada é o primeiro passo para melhorar a acessibilidade. “O passeio público é o direito de ir e vir. Portanto, tem que ser responsabilidade das prefeituras e não dos proprietários. Estamos no caminho para que isso aconteça”, ela acredita.
Cristina vislumbra uma São Paulo modelo onde haverá a integração de todos os modais. Mas para isso é preciso o despertar da consciência cidadã e do poder público. “Tem que ter vontade política”, diz Cristina. “O ideal para qualquer cidade é que haja VLT (veículo leve sobre trilho), metrô, bicicleta, possibilidade de caminhar – e ter tudo isso integrado. Nesse cenário, não há por que pegar o carro”.
Para tornar esse sonho em realidade, a Virada da Mobilidade – de 17 a 23 de setembro, passando pelo Dia Mundial Sem Carro, 22 – propõe uma mudança de pensamento. Seminários discutirão modelos possíveis e medidas práticas para a mobilidade urbana, bem como quais os prejuízos do trânsito para a cidade. Uma das atividades do evento, chamada “Vagas Vivas”, propõe uma nova forma de utilização do espaço público. Biblioteca, cafés e oficinas tornarão as vagas demarcadas pela Zona Azul espaços mais divertidos, de modo que a família não precise se deslocar do seu bairro em busca de lazer.
Idealizada por Edson Silva, co-fundador do site Sampapé, a proposta do Vagas Vivas faz parte do movimento baseado no conceito de walkability, ou “caminhabilidade”, em tradução livre. “A gente propõe uma rota a pé para a pessoa experimentar e perceber os benefícios da caminhada. Tem um ponto de partida e chegada, e durante o trajeto ela passa por obras de artes e prédios históricos”, conta Edson, que recomenda às pessoas caminharem pelas ruas internas, pois nas grandes avenidas o índice de poluição é muito alto. “Antes de fazer o percurso, dê uma olhada na internet para incluir no seu trajeto parques e praças”, aconselha.
Mudar drasticamente a forma como a cidade circula é fundamental para promover a intermodalidade. Mais opções de modalidades de transportes compõe um sistema de transporte mais eficiente, sem privilegiar nem discriminar nenhum deles.
“O carro é muito necessário para o cadeirante, para o velho”, pondera Márcio Nigro, fundador do Caronetas e um dos organizadores da Virada da Mobilidade. Nigro salienta que o Brasil tem o mesmo número de carro por habitante de países como o Cazaquistão e Santo Domingo. “São 0.25 carros por habitante, três vezes menos do que os Estados Unidos”.
O recordista de carros por habitante é Mônaco – e lá não há trânsito. “O problema não é o número de carros, mas a falta de escolha”, ele diz, referindo-se à baixa quilometragem da malha de metrô, poucas faixas exclusivas de ônibus e para quem dá carona, ciclovias limitadas e passeios públicos mal conservados. O Caronetas, uma rede com mais de 1600 empresas cadastradas, surgiu como uma alternativa para quem não pretende abandonar o carro, mas quer diminuir seu uso. Em um prédio na avenida Paulista com mais de três mil pessoas, calcula-se que pelo menos 20 morem no mesmo bairro. “São 30 opções de horários para sair e chegar no trabalho. O funcionário escolhe a carona que mais lhe convém sem abrir mão do conforto do carro.”
De acordo com o empresário, a carona tem benefícios importantes. “Diminui a poluição, tira um carro da rua ou uma pessoa do transporte público. Este é desafogado e passa então a ter mais espaço para circular”. Além de canalizar o dinheiro do combustível e do estacionamento para o consumo, o que aquece a economia. “Em São Paulo, o carro é um remédio. Mas mata por intoxicação”, resume