São Paulo ganhou hoje (2) mais duas faixas exclusivas para ônibus que contemplam 12 vias da cidade. A medida faz parte do programa "Dá licença para o ônibus", do governo municipal, cujo objetivo é priorizar o transporte público coletivo em detrimento do privado individual, reduzindo o tempo de viagem dos passageiros e melhorando a qualidade do serviço. Até o fim do ano, a prefeitura quer implantar 220 km dessas vias - desse total, 146 km já foram concluídos.
As faixas exclusivas de ônibus são apenas parte da solução para o problema da imobilidade urbana, assim como a bicicleta também é, o metrô, a melhoria das calçadas, etc. E sendo uma parte, não pode ser ignorada ou criticada simplesmente porque não é o todo, a solução definitiva para o problema da imobilidade. Esse todo é (será) resultado da integração de muitas partes, com planejamento e visão de longo prazo.
Por mais óbvio que seja este raciocínio, é curioso como ele ainda não é suficiente para convencer muitos motoristas de que priorizar o transporte público coletivo, ainda que não resolva todos os problemas de imobilidade da cidade, é algo bom para todo mundo, inclusive para ele, motorista parado no trânsito, sozinho em seu carro, maldizendo a faixa exclusiva enquanto os coletivos passam por ela sem serem atingidos pelo engarrafamento.
Se fizesse uma conta matemática simples, o motorista ressentido deixaria de reclamar e passaria a agradecer - se não por gosto, pelo menos por honestidade intelectual - quem teve a ideia de implementar a faixa exclusiva e quem usa o transporte coletivo para se deslocar. Se cada ônibus transporta uma média de 60 passageiros, que pior não seria a vida de quem está com o carro parado, por exemplo, no engarrafamento da av. 23 de Maio, se os 60 passageiros de um único ônibus também tivessem tido a ideia (ou a chance) de fazer aquele trajeto cada qual em seu próprio automóvel.
Que caos maior não seria a cidade se os 84 mil passageiros que circulam todos os dias em coletivos pela faixa exclusiva das ruas João Rudge e Zanzibar, na Casa Verde, resolvessem sair de casa de carro. Ou se os 131 mil passageiros que passam por dia útil pela av. Água Fria, na zona norte, tivessem a mesma ideia - isso só para citar duas faixas exclusivas recém-instaladas em São Paulo.
E que inferno não teria sido a sua vida e a minha se cada um dos 232 milhões de passageiros transportados em ônibus coletivos durante o mês de julho tivessem resolvido se deslocar pela cidade de carro, cada qual em um.
Bode na sala*
As queixas que tenho ouvido de motoristas contra as faixas exclusivas para ônibus dão conta de que elas são o "bode na sala" para quem se desloca majoritariamente de carro. Em resumo, alguns motoristas dizem que não há trânsito tão ruim que não possa piorar.
De fato, não há. Mas a causa da piora não são as faixas exclusivas de ônibus, e sim o próprio uso irracional do carro, incentivado pelas décadas de investimento massivo em estrutura viária que prioriza o transporte motorizado individual. E nem precisamos ir longe na explicação para provar esse ponto. Basta ir pra rua de carro e perder uma média de duas horas de vida todos os dias sem sair do lugar, preso dentro de uma lata, respirando monóxido de carbono e sentindo crescer no corpo os níveis de estresse.
A faixa exclusiva de ônibus, assim como qualquer outra intervenção viária que não foque no uso prioritário do transporte motorizado individual para melhorar a mobilidade, não é um mal necessário, mas parte da solução para o problema.
Na vida em sociedade, não há decisão pessoal que passe indiferente à vida coletiva, tanto mais quando o assunto é o problema da imobilidade urbana. Nesse caso, seja como pedestres, ciclistas, motoristas ou passageiros de coletivo, podemos sempre escolher um desses dois papéis: o papel de parte da solução ou o de bode na sala de alguém.
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