Doutora em Geografia, especialista em transporte urbano e professora na Universidade Autônoma de Barcelona, Carme Miralles-Guasch desembarcou nesta segunda-feira (19) em Florianópolis. Ela viajou da Espanha ao Brasil para participar de uma qualificação de doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e, pela primeira vez, pisou no Estado.
Cansada da viagem e da mudança de fuso-horário, sua primeira consideração sobre a mobilidade urbana por aqui foi: "se eu pudesse criar uma nova categoria para a mobilidade brasileira, eu criaria. Tem coisas que só vemos aqui", disse.
Miralles publicou 30 artigos sobre mobilidade urbana nos últimos cinco anos e estuda o tema desde 1996. Ela também é diretora do Instituto de Estudos Regionais e Metropolitanos de Barcelona (IERMB). Em entrevista ao Diário Catarinense, repetiu a palavra rede muitas vezes. Segundo ela, a integração e o investimento em diversos meios de transporte é o que desafoga o trânsito nos conglomerados.
Carme Miralles, da Universidade de Barcelona. Foto: Alvarélio Kurossu / Agencia RBS
DC - O metrô seria a melhor saída para Florianópolis?
Carme Miralles - Não sei se Florianópolis precisaria ter um metrô. Aqui seria muito difícil porque é uma ilha com duas lagoas, e quase sempre o terreno não suporta. É necessário pesquisar melhor. É muito difícil. Caso os terrenos suportem, o investimento é alto, mas retorna com o tempo. É necessário estudar melhor a cidade para falar sobre isso.
Mesmo com muitos morros, as ciclovias continuam sendo uma hipótese?
Os morros não estão em todas as partes da cidade. O importante é que as ciclovias estejam numa rede, não uma linha que começa e termina logo depois, e uma parte qualquer. É importante ter uma conexão entre as linhas, para levar a algum lugar com segurança.
Tem uma nova solução de mobilidade internacional?
Não há soluções. Há melhorias. O espaço urbano é um espaço muito complicado e ainda surgem problemas novos, e temos que aprender a resolvê-los para fugir do caos. A solução não existe. A pergunta é: como podemos melhorar a mobilidade do espaço urbano? A melhor solução é entender que o transporte é um sistema único, que todos os tipos devem trabalhar em rede. As pessoas devem utilizar diferentes tipos de transporte e ter condições para isso: podem ser motoristas de carros e pedestres ao mesmo tempo. As pessoas podem andar em bicicleta e automóvel ao mesmo tempo. Não é um em frente do outro, não é investir em ciclovias sem contraste e integração com as estradas. A palavra é integração.
O fluxo de pessoas em Florianópolis e Barcelona aumenta durante o verão. Como deve ser o planejamento do transporte urbano para esta época?
A dimensão da oferta do transporte nunca em nenhum lugar é feita para a demanda ao seu máximo. Imagina que você quer abrir um restaurante e que sábado à noite tem muita gente para comer. O que você fará? Colocará mesas e garçons para o fim de semana e ficar com o ambiente vazio o resto da semana? Não fará isso, não é mesmo? Se o sábado tem mais demanda, as pessoas terão de esperar um pouco mais durante este tempo. A oferta nunca é mensurada para o máximo de demanda, mas para o valor médio. Isso significa que alguns meses do ano a demanda seja maior ou menor, é normal. O que não pode é mensurar o valor mínimo de demanda, porque não há como se adequar nos momentos máximos.
E o transporte marítimo, como utilizá-lo em Florianópolis?
Uma das possibilidades é utilizar o mar como infraestrutura, fazer um bom sistema entre as partes do continente e com o mar, sempre conectado em rede com ônibus e qualquer meio de transporte. Ouso falar que a solução aqui em Florianópolis é utilizar o mar, como no Rio de Janeiro e Niterói. Seria ótimo entre o continente e a ilha, por exemplo. Pode-se ter pontes, mas a solução por aqui é conectar-se por barcas.
Qual é a principal consequência para a cidade que deixa a população com tempo perdido enquanto se transporta?
Tempo é dinheiro. Todo aquele tempo que passamos entre os espaços não utilizamos para nada mais: nem para aprender espanhol, nem para estudar, nem para ler livros. O sistema perde produção e fica parado. Não é só o tempo individual, é o tempo coletivo. Uma cidade que a população perde muito tempo entre os lugares é uma cidade que perde dinheiro. Ultrapassa as classes sociais: rico ou pobre, você continuará parado.
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