Como destravar as cidades

A solução para os problemas de mobilidade,passa não só pelo sistema de transportes, mas principalmente pela mudança no atual modelo de desenvolvimento das cidade

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Fonte: Construção Mercado  |  Autor: Pâmela Reis  |  Postado em: 16 de agosto de 2013

O crescimento ordenado pode ter papel central no t

O crescimento ordenado pode ter papel central no tema

créditos: Reprodução

 

A onda de manifestações que tomou o País no mês de junho colocou em xeque o atual sistema de transporte público, mas também trouxe à tona, paralelamente, outras questões ligadas à mobilidade urbana. Para o Movimento Passe Livre, que encabeçou as passeatas contra o aumento do preço das passagens, o transporte coletivo é condição fundamental para o exercício do direito à cidade - daí a demanda pela gratuidade das viagens. De fato, nas grandes metrópoles, a população - em especial a mais pobre - depende da rede de transportes para desfrutar a cidade, e isso evidencia um problema mais profundo ligado não à questão viária, mas sim às enormes distâncias que separam a moradia do trabalho, ou a casa do lazer.

 

Fica a pergunta: é possível solucionar o problema da mobilidade urbana no Brasil apenas com investimento na rede de transporte público? "Nós não temos condições técnicas nem financeiras de fazer uma rede de transporte de massa eficiente e confortável no curto prazo. O que nos sobra é a necessidade de reduzir os deslocamentos e, para isso, só há uma alternativa: novos modelos de ocupação, que façam com que as pessoas se desloquem menos", responde Claudio Bernardes, presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP).

 

Historicamente, as metrópoles brasileiras mantiveram um modelo de crescimento espraiado. O encarecimento da terra bem localizada e dotada de infraestrutura foi expulsando as populações mais pobres para periferias cada vez mais distantes do Centro, enquanto a maior parte das opções de emprego e lazer continua concentrada nas regiões centrais. O resultado são ônibus e metrôs superlotados, ruas e avenidas congestionadas e pessoas que fazem viagens de até duas horas apenas para chegar ao trabalho.

 

Se é urgente investir na ampliação e na melhoria da rede de transportes, também é imperativo frear esse espraiamento urbano, aproximar a moradia do trabalho e trazer o vetor de desenvolvimento para dentro da cidade, em regiões já consolidadas, mas subutilizadas, que ainda suportam crescimento populacional. É o conceito da cidade compacta, isto é, uma cidade densa e diversificada nas regiões onde há boa infraestrutura, com uso misto do solo, e sem segregação entre áreas residenciais e polos comerciais e empresariais.

 

"Temos que distribuir as atividades no município de forma inteligente, estimulando atividades complementares e sinérgicas nas diversas regiões", afirma Bernardes. "É preciso criar emprego próximo de onde as pessoas moram, e para isso seguramente teremos que fazer algum tipo de adensamento ao longo das linhas de transporte de massa que já existem." Só assim é possível reduzir a quantidade de deslocamentos feitos diariamente e encurtar as distâncias percorridas, aliviando os transportes e o tráfego nas ruas.

 

Reocupação do Centro

A professora Silvia Zanirato, do curso de gestão ambiental da Escola de Arte, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), desenvolve desde 1998 pesquisas sobre a questão do patrimônio cultural edificado e sua função social. Segundo ela, "o Centro de quase todas as capitais do Brasil está esvaziado e tem imóveis que não estão cumprindo sua função social. Só na administração regional da Sé [em São Paulo] existem 40 mil imóveis abandonados ou subutilizados. É um número muito expressivo". Promover a reocupação dessas áreas é um dos principais desafios que se impõem ao poder público municipal atualmente.

 

Na avaliação de Carlos Leite, professor de projetos urbanos do Mackenzie e autor do livro "Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes", lançado em 2012 pela editora Bookman, a principal demanda de grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo hoje é fazer o adensamento populacional dos centros. Para ele, é natural que o mercado imobiliário abra novas frentes de valorização em bairros ainda pouco explorados, mas "a questão é como deixar que novas áreas apareçam sem que se perca a população moradora, o comércio e os serviços das áreas centrais, onde há mais infraestrutura e memória urbana. São áreas que receberam investimentos pesados ao longo de anos. É insustentável deixá-las vazias".

Nesse sentido, foi lançado em São Paulo um programa de requalificação da área central, por iniciativa do Governo do Estado via agência Casa Paulista. Trata-se de uma Parceria Público-Privada (PPP) que prevê a criação de mais de 20 mil unidades habitacionais para trabalhadores do Centro - com prioridade para famílias de baixa renda -, além de investimentos em infraestrutura e equipamentos públicos. Serão R$ 4,6 bilhões em investimentos, entre recursos da iniciativa privada, do Estado e da prefeitura.


O projeto tem sido bem avaliado por urbanistas, já que trará população e revitalização urbana para áreas degradadas, mas para Carlos Leite, medidas como esta ainda precisam ganhar escala para que o problema comece a ser solucionado. "O projeto da Casa Paulista é interessante, é bem-vindo, mas não é suficiente. Precisamos de outras políticas públicas, mais consistentes, mais duradouras e mais sistêmicas para começarmos a trabalhar de maneira contínua", argumenta.

Foto: Marcelo Camargo/ABR

O espraiamento das grandes metrópoles coloca a questão da mobilidade urbana no centro dos debates sobre o direito de ir e vir, um dos temas centrais das manifestações



Também o Rio de Janeiro vive uma mudança urbanística importante. O projeto Porto Maravilha, já em pleno andamento, está revitalizando uma zona central degradada, promovendo ali vasta diversidade de edificações: habitação de interesse social, creches e escolas, equipamentos culturais, escritórios, hotéis, comércio, áreas de lazer etc. "São as duas maiores cidades do Brasil que nesse momento estão sinalizando com transformações positivas. Vejo isso com certo otimismo", diz Carlos Leite.

 

Um ponto importante a ser observado na recuperação desses centros é a necessidade de se promover a mistura entre moradores de diferentes faixas de renda. A ideia é evitar o processo conhecido como gentrificação, um fenômeno em que a transformação do espaço urbano torna-o excessivamente elitizado e expulsa a população mais pobre. Leite argumenta que é a mistura de rendas que torna a rua mais viva, movimentada, com comércio ativo, com diversidade social e, consequentemente, com mais segurança por conta da presença constante de pessoas na rua - em contraposição às ruas desertas e muradas dos bairros de luxo.

 

A grande questão é: como evitar essa segregação? "Se eu tomo uma área degradada e a recupero, coloco equipamentos, iluminação, saneamento e outras condições de melhoria, naturalmente essa área vai se valorizar", comenta Silvia Zanirato. "A única forma de ela não se tornar gentrificada é semeando habitação de interesse social em meio às habitações adquiridas com recursos pessoais. Assim se diversificam as categorias sociais que habitam as cidades."

 

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