Passar horas em um engarrafamento já se tornou rotina na vida de boa parte da população fortalezense. Mais do que insatisfação, porém, esse cenário pode levar a uma mudança de hábitos, a exemplo do que aconteceu ao analista de sistemas Lucas Landim, de 30 anos.
"Em 2006, eu trabalhava como professor substituto na UFC (Universidade Federal do Ceará), na Casa Amarela (localizada na Avenida da Universidade), e ia dar aula depois que saía do trabalho, perto do Carrefour da (Avenida) Barão de Studart. Eu pegava o Circular e toda vida era um ´parto´ para chegar. O estopim foi quando saí às 17h e cheguei às 18h30", afirma.
Além do desconforto causado pelo calor durante o trajeto, Lucas afirma que chegou exausto e "em cima da hora". A partir deste dia, decidiu procurar na internet, mais especificamente no Google Maps, opções de rota a pé. "Eu vi que dava entre quatro e cinco quilômetros de distância e lá dizia que levaria 45 minutos para chegar. Só que, na primeira vez, fiz em 40 minutos e isso me conquistou. Cheguei um pouco cansado, mas estava mais disposto do que quando ia de ônibus", relembra o analista.
Novo transporte
À época, andar a pé passou a ser o transporte diário de Lucas. Apenas a volta para casa era feita de ônibus, já que às 22 horas o fluxo é menos intenso. Porém, somente 2008, depois de um passeio de bicicleta com os amigos do bairro Benfica até a Praia do Futuro, ele teve o "estalo" de fazer os percursos no transporte.
Diariamente, Lucas vai de casa, no bairro São João do Tauapé, até o trabalho, na Avenida Barão de Studart de bicicleta. No transporte, ele diz que percorre os 3 km de distância entre cinco e sete minutos. "De carro, eu chego, em média, em 15 minutos, mas depende do trânsito", afirma. Além de economizar tempo e gasolina, ele diz que a economia com passagens de ônibus ultrapassa R$ 1.100 por ano.
Além disso, ele destaca que a manutenção da bicicleta é muito mais baixa. "Quem usa a bicicleta como meio de transporte, não compra as mais caras, ficando entre R$ 400 e R$ 600. Um pneu mais simples custa R$ 25 e roda mais de mil quilômetros. A câmara de ar é em torno dos R$ 8, além de outros gastos pequenos", comenta.
Riscos
O carro que tem em casa, destaca, fica à disposição da esposa. O automóvel do casal também é utilizado para longos trajetos, sobretudo nos finais de semana. "A bicicleta passa a ideia de ser pouco segura, mas, na verdade, ela não é. Tenho mais medo de usar o carro como transporte, porque você facilmente fica preso no engarrafamento e não tem por onde sair. O assaltante chega, bate no seu vidro e pronto", diz o analista de sistemas.
Em relação ao risco de acidentes, ele garante que, com atenção e conhecimento das leis de trânsito, é possível garantir um caminho seguro. Dentre as dicas dadas por ele, está a utilização de rotas alternativas, que fogem das grandes avenidas da cidade e do grande fluxo de carros e motocicletas.
Cobrança
Diante disso, Lucas, que hoje é presidente da Ciclovida (Associação de Ciclistas Urbanos de Fortaleza), se reuniu com outros ciclistas e com representantes da Prefeitura Municipal de Fortaleza para apresentar propostas de ciclorotas - que são ruas em que a velocidade dos veículos automotores seria reduzida para 30 ou 40 km/h.
Além disso, Lucas Landim cobra a implantação de ciclofaixas nas ruas da Capital cearense, já que viabiliza projetos mais rápidos, uma vez que tem custo bem menor que de uma ciclovia.
"Se fala muito dos 74 quilômetros de ciclovias de Fortaleza, mas é teoria. Na prática, você não tem tudo isso, por conta da dificuldade de acesso e por não respeitar os padrões", explica o analista (JM/GR).
Rede de ciclovias distante do ideal exige investimento
Ainda que os obstáculos encontrados ao longo dos 74 km de ciclovia em Fortaleza - como árvores plantadas no meio do caminho e pisos danificados - fossem solucionados, a rede cicloviária da Capital estaria longe da ideal, segundo especialistas.
De acordo com a Secretaria de Infraestrutura de Fortaleza (Seinf), estão previstos, nos projetos de requalificação viária hoje em implantação, cerca de 40 quilômetros de novas ciclovias (foto: Kléber A. Gonçalves)
Mais do que aperfeiçoar a rede atual e construir mais vias, afirma a pesquisadora em mobilidade humana e professora de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) Gislene Macedo, é preciso garantir que os equipamentos estejam ligados a outros elementos.
"Não é só uma questão de aumentar os quilômetros, mas sim de o quão integrados ao transporte público e aos acessos a outros serviços. De nada adianta eu alardear que eu tenho 200 quilômetros de ciclovias, se elas não estão integradas com coisa nenhuma", frisa, destacando a necessidade de atrelar as ciclovias ao metrô e ao ônibus. Nesse processo, indica, a participação da população é importante, para acompanhar e cobrar do poder público as ações defendidas.
Gislene faz referência à iniciativa feita na rua Ana Bilhar, na última semana, quando um grupo de pessoas, usando giz, barbante e cal, pintou uma ciclofaixa com largura de aproximadamente um metro, como forma de cobrar mais segurança para os ciclistas na região. Esse tipo de ação, diz Gislene é uma "pequena e grande" iniciativa para a Capital. A professora acrescenta que a implantação das ciclovias precisa também ser planejada conforme a lógica de deslocamento nas cidades, evitando que sejam feitas em vias onde haverá pouco fluxo de ciclistas.
Mais trechos
De acordo com a Secretaria de Infraestrutura de Fortaleza (Seinf), estão previstos, nos projetos de requalificação viária hoje em implantação, cerca de 40 quilômetros de novas ciclovias. Sem citar prazos, a Prefeitura também informou que está sendo feito um diagnóstico da malha de ciclovias já existente, para que, em seguida, sejam definidas quais ciclovias serão recuperadas primeiro. O órgão também afirmou que as ciclovias estarão integradas a outros modais, como os ônibus, nos terminais, e o metrô.
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