A proposta de "minibairros", como vêm sendo chamados alguns empreendimentos imobiliários em execução dentro da cidade de São Paulo, é o tema de uma reportagem publicada hoje (30) no jornal Valor.
Pelo conceito de bairros planejados, as ruas são amplas, arborizadas, de curvas suaves, dispensando semáforos; torres de escritórios dividem o espaço com prédios de apartamentos e residências térreas; muros são substituídos por cercas vivas, e o cenário inclui ainda áreas de serviços, comércio e alguns tipos de indústria; parques e praças completam essa minicidade onde a padaria e o jornaleiro estão ao alcance de uma caminhada e a escola e o local de trabalho ficam nas proximidades.
A diferença entre esses bairros e os condomínios fechados que se multiplicaram a partir dos anos 70 é que eles integram a cidade. Embora bastante autônomos, não são ilhas, nem "clusters" dentro do tecido urbano. Substituem a exclusão pela inclusão.
A ideia de compactar as cidades é uma tese cada vez mais defendida pelos urbanistas, já que a mobilidade é o grande desafio. "A cidade mais sustentável é aquela que exige menos viagens, porque o transporte consome muita energia", diz o arquiteto e professor Milton Braga, curador do Instituto de Urbanismo e Estudos para Metrópole (Urbem). Na sua avaliação, São Paulo ainda pode absorver muita gente no seu centro expandido. Ele cita o exemplo de Paris, cuja área no interior do anel "boulevard périphérique", uma ocupação "muito equilibrada", tem 200 habitantes por hectare, enquanto São Paulo conta com 110.
"Há um consenso hoje em dia de que a melhor cidade é a cidade compacta, o bairro mais denso, de uso misto, organizado de tal forma a se evitar um número grande de viagens. A nossa grande crise é de mobilidade", afirma Braga. É o que vem sendo prometido por grandes empreendimentos, como o Jardim das Perdizes e o Parque da Cidade, em São Paulo. Os minibairros nos subúrbios, longe do centro urbano, apresentam problemas: eles dependem muito de São Paulo e "acabam se caracterizando mais como expansões da cidade do que como novos bairros, gerando ainda mais transporte", analisa o arquiteto do Urbem.
Áreas disponíveis
A tendência é que os novos bairros planejados se limitem a áreas que tiveram seu uso deteriorado na própria cidade. "Os bairros e cidades planejadas no Brasil, nos próximos dez anos, não vão ser suficientes para abrigar mais de 5% das novas habitações que serão criadas, porque esse exemplo, que poderia ter sido dado 20 anos atrás, só começa a ser observado agora", diz Mauro Peixoto de Oliveira, especialista em marketing imobiliário e consultor-adjunto da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). "A partir de 2020, 2023 esse conceito estará definitivamente assimilado e representará 20% das necessidades habitacionais."
São Paulo ainda oferece áreas que podem abrigar bairros planejados, dentro do conceito de cidades mistas, "onde convivem comércio, serviços, equipamentos, habitação, com diversidade social", diz Fernando de Mello Franco, professor formado pela Faculdade de Arquitetura e Artes da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e secretário de Desenvolvimento Urbano de São Paulo. O que se deve evitar, diz, são "condomínios fechados completamente segregados da cidade, que reforçam as dificuldades de mobilidade, a segregação social e as desigualdades".
Milton Braga lembra áreas que a cidade pode aproveitar, como a Barra Funda, a Baixa Lapa, e quase toda a planície fluvial junto do rio Tietê, tanto a norte como a sul. "Entre as linhas da CPTM e as pistas da Marginal do lado sul há muita possibilidade de reestruturação urbana, de preferência mantendo a indústria da confecção, da economia criativa, do design. Tudo isso pode ficar junto de escritórios, de prédios de apartamento, aumentando a densidade", afirma.
Para ele, trata-se de uma discussão à qual a cidade não pode fugir, sob pena de "perder competitividade naquilo que mais importa hoje, que é atrair o trabalho intelectual, os grandes centros de pesquisas, de design, que se encontram aqui em uma situação muito ruim em termos de urbanização". Segundo ele. "esses empreendimentos não querem ficar amontoados em condomínios, vão optar por se instalar no Rio, em Buenos Aires ou Santiago. São Paulo precisa urgentemente pensar nesse futuro e se preparar melhor para receber essa economia global."
Silvio Soares de Macedo, professor de paisagismo da FAU, lembra que os bairros planejados em São Paulo existem há mais de cem anos, como Higienópolis e Campos Elíseos. No Rio, Macedo cita bairros como Laranjeiras e Copacabana, construídos há 80 anos.
Na falta de espaços urbanos, condomínios como Alphaville e Tamboré nasceram em municípios próximos, outros buscam terrenos no triângulo formado entre Campinas, Sorocaba e São Paulo.
Companhia City
Mauro Peixoto de Oliveira observa que os bairros planejados chegaram ao Brasil "pela porta de entrada, a das cidades jardins inglesas", que separam as construções com áreas verdes. "A entrada da cidade jardim em São Paulo se fez pela Companhia City, com o Jardim América e o Pacaembu, na década de 1920. Quem comprava um lote da Companhia City deveria manter na construção um recuo de oito a 12 metros da divisa", lembra.
"O bairro planejado, ou inteligente, é aquele onde o empreendedor cria regras privadas de uso e ocupação do solo, um zoneamento privado dizendo o que pode e não pode ser feito naqueles espaços. Esse é o DNA do sucesso. Ter regras de uso e ocupação do lote e da quadra", diz Peixoto Oliveira. Mas quando essas tendências chegaram ao Brasil, na década de 70 para 80, não existiam mais grandes áreas em São Paulo que permitissem fazer dentro da cidade esses bairros planejados. "Eles foram para as bordas da cidade, na região metropolitana de São Paulo e na Barra da Tijuca, no Rio", afirma.
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