Prefeituras do país abandonam calçadas e privilegiam carros. Teremos que ocupar as ruas de novo?
Aconteceu no domingo (21), no Rio de Janeiro: Beatriz Segall tropeçou em um buraco de uma calçada, caiu e feriu gravemente o olho direito. Como resultado, a estrela ficará 20 dias em casa.
Em maio passado este editor também passou pela infeliz experiência de ser arremessado ao solo por um pequeno obstáculo, uma simples válvula de água desnivelada, bem no meio da calçada de um bairro da zona sul de São Paulo. Sofri pequenas escoriações, escrevi um texto raivoso para a prefeitura, mas aparentemente nada mudou. No último final de semana passei pelo local e a "armadilha" continuava lá, intacta.
Os dois casos não aconteceram por acidente. Há um ano, o Mobilize realizou o levantamento Calçadas do Brasil, que revelava o estado lastimável dos passeios públicos, em todas as cidades do país. Em janeiro de 2013,entregamos os relatórios com as notas atribuídas às calçadas a prefeitos e secretários das principais capitais brasileiras, incluindo Rio e São Paulo. E nada, absolutamente nada, foi feito para corrigir os problemas detectados em nosso estudo. Resultado: milhares de pessoas sofrem acidentes nas calçadas de cidades brasileiras, como atesta um trabalho desenvolvido pela Faculdade de Medicina da USP.
Calçadas são recursos básicos para a mobilidade urbana sustentável e por isso devem ser construídas e mantidas com o mesmo zelo atribuído às pistas de asfalto, por onde circulam os automóveis.
Na semana passada, em silêncio, a prefeitura da maior cidade do país autorizava o corte de 30 tipuanas no canteiro central de uma avenida para ampliar as faixas de rolamento da via. A obra seria realizada pela construtora que faz um novo estádio, como forma de reduzir o impacto do novo empreendimento no trânsito da região.
Ante a ameaça, moradores protestaram no local, abraçaram as árvores e forçaram a secretaria do Verde e do Meio Ambiente (sic) a suspender temporariamente a remoção das árvores, algumas com mais de 60 anos. Ato contínuo, a prefeitura informou que buscava “soluções técnicas alternativas para eliminar o menor número possível de espécies”. Entre as alternativas, a companhia de tráfego sugeriu o estreitamento da calçada, hoje com cerca de 2 metros de largura.
O episódio refere-se à av. Francisco Matarazzo, na Pompeia, zona oeste de São Paulo, mas poderia ter acontecido em qualquer grande cidade do país. A lógica é simples: prefeituras aprovam grandes empreendimentos imobiliários, com quatro vagas por apartamento, e depois buscam soluções para permitir que esses milhares de veículos consigam sair dos estacionamentos.
A região, antiga área fabril, onde se localiza o Sesc Fábrica, foi sendo gradativamente ocupada por shoppings, edifícios de escritórios e, agora, dezenas de torres residenciais. É servida pela linha Vermelha do metrô e também por duas estações de trens urbanos da CPTM, além de um corredor de ônibus. Mais: uma via, paralela, já havia sido construída nos anos 1990, nos terrenos da antiga indústria Matarazzo. E ainda: as calçadas laterais e do canteiro central já foram reduzidas, nos anos 1970, também a pretexto de abrir espaço para mais faixas de tráfego.
Pergunta óbvia: não estaria na hora de inverter essa lógica e alargar as calçadas, incluir ciclovias e faixas mais largas para a circulação de ônibus?
Um mês atrás, centenas de milhares de pessoas ocuparam as praças e ruas do país para protestar contra os desmandos de prefeitos, governadores, vereadores, deputados, senadores e da própria presidente Dilma Rousseff. E como as calçadas continuam esburacadas, sujas, cheias de lixo, postes e vários outros obstáculos, talvez seja a hora de ocupar o asfalto para exigir metrôs, ciclovias, trens, corredores de ônibus, bicicletários, bondes, barcas, elevadores, bicicletas públicas, escadas rolantes, teleféricos e calçadas para simplesmente caminhar. Será pedir muito?
Marcos de Sousa
Editor do Mobilize Brasil