A crise da mobilidade humana - como 50 bilhões podem melhorar a vida nas cidades

A crise da mobilidade humana eclode nas ruas. É triste dizer, mas não foi por falta de aviso

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Fonte: Sul 21  |  Autor: Mauri Cruz*  |  Postado em: 04 de julho de 2013

 

Já em 2010, quando o governo federal anunciou 47 projetos voltados para as 12 cidades que serão sede dos jogos da Copa do Mundo propondo investimentos de R$ 18 bilhões para sistemas estruturais de transportes de massa - tipo metrô, veículos leves sobre trilhos (VLT) ou corredores exclusivos com faixa flexível (BRS) - nós indicávamos que somente obras não seriam suficientes para enfrentar os desafios de garantir o direito de ir e vir da população brasileira com qualidade, segurança e custos acessíveis.

 

Após a “primavera brasileira” que inundou as ruas com milhares de pessoas, na sua maioria jovens, a Presidenta Dilma anunciou, dentre a suas cinco medidas, a destinação de 50 bilhões para enfrentar o caos da mobilidade no país. Para incidir neste debate retomo a Agenda da Mobilidade Sustentável apresentada em 2011 e que tem embalado vários movimentos sociais sendo a pauta do Fórum Nacional da Reforma Urbana.

 

É preciso iniciar o debate reconhecendo que a principal causa do caos é a crescente concentração urbana que já atinge 85% da população vivendo em pouco mais 100 cidades. Esta concentração que vem sendo criticada e denunciada à décadas é aprofundada pelo envelhecimento da população do campo e pela contínua concentração de terra nas mãos de grandes proprietários. Por isso, embora não seja a pauta, é preciso reafirmar que a Reforma Agrária é sim uma política pública que incide na melhoria da mobilidade urbana em todas as cidades do pais.

 

Indo direto ao debate sobre o que fazer com os 50 bilhões anunciados pela Presidenta Dilma, é importante afirmar que as propostas apresentadas precisam ser entendidas como parte de uma estratégia articulada, onde uma política retroalimenta e potencializa a outra. Isso significa dizer que apenas metrô não irá resolver os problemas de mobilidade de Porto Alegre. Nem mesmo a ampliação de alguns quilômetros de ciclovias. A mobilidade urbana é responsável pela circulação de mais de 140 milhões de pessoas todos os dias no país. Não serão medidas pontuais e paliativas que irão organizar o caos em que estamos metidos. É preciso uma estratégia coordenada, planejamento de médio e longo prazo e, principalmente, que os órgãos públicos e as organizações e movimentos da sociedade civil assumam o protagonismo na elaboração dos projetos e propostas inovadoras, sob risco de investimos este volume extraordinário de recursos para perpetuar as políticas que geram os problemas que tanto desejamos combater.

 

Neste sentido elenco para o debate as seguintes medidas:

a) Priorizar a implementação da medidas de uso e ocupação do solo urbano estabelecidas pelo Estatuto das Cidades – Lei Federal 10.257/2001 – em especial os instrumentos da regularização fundiária, das áreas especiais de interesse social (AEIS), e do imposto progressivo sobre áreas urbanas que estão sendo estocadas pelo setor privado para especulação imobiliária;

 

b) Priorizar a implementação do marco regulatório da Mobilidade Urbana – Lei Federal 12.587/2012 – em especial a medidas que democratizam o uso do espaço urbano priorizando os deslocamentos coletivos em detrimentos dos deslocamentos individuais e as medidas de fortalecimento dos sistemas públicos de transporte;

 

c) Rever o modelo de concessão dos serviços de transporte coletivo onde a receita oriunda das tarifas públicas não seja gerida pelas concessionárias privadas e sim pelos órgãos públicos de gestão e operação dos sistemas de mobilidade urbana permitindo o subsídio cruzado dos modais privados individuais para os modais públicos coletivos;

 

d) Constituir e fortalecer os órgãos gestores públicos municipais e estaduais para que possam organizar e controlar os serviços de mobilidade, dentre eles, o transporte coletivo, bem como gerir as receitas das tarifas públicas de forma a ter o pleno controle dos custos do serviço;

 

e) Garantir que os novos projetos de mobilidade sejam planejados e implantados a partir das premissas da segurança da vida, da qualidade para os usuários, da redução do tempo de deslocamentos, da confiabilidade e pontualidade dos serviços de transportes e da modicidade das tarifas;

 

f) Efetivar das leis de acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência e de mobilidade reduzida, com as modificações previstas para os veículos e seus equipamentos de transferência intermodal (terminais e pontos de parada) além das calçadas e espaços públicos e privados de mobilidade (shoppings centers, hospitais, prédios públicos e outros);

 

g) Incluir o automóvel no conceito de mobilidade sustentável, por meio de uma política de estacionamentos dissuasórios próximo aos grandes aglomerados urbanos e da implantação de pedágios urbanos comunitário, com destinação total dos recursos para investimentos em transportes públicos;

 

h) Constituição de espaços de controle social dos investimentos público em Mobilidade Urbana com participação da sociedade civil organizada, dos órgãos de controle público tais como Ministério Público, Tribunal de Contas e Controladoria Geral da União, publicação de relatórios periódicos e transparentes;

 

i) Propor novos desenhos dos espaços urbanos através da adoção do conceito de corredores de desenvolvimento, onde o transporte coletivo é o modo estrutural de deslocamento das pessoas, priorizada a circulação das pessoas com segurança e não a fluidez dos veículos individuais;

 

j) Redução gradativa de estacionamento nas vias urbanas para a implantação de ciclovias e ciclo-faixas garantindo maior fluidez e segurança aos ciclistas e contribuindo para a redução da poluição ambiental;

 

l) Mudança da matriz energética do setor de transportes – gasolina, álcool e diese – que respondem por 70% da emissão de poluição de gases de efeito estufa exigindo incentivos a implantação de combustíveis mais limpos nos ônibus, como o gás natural e o biodiesel.

 

m) Alterar os atuais modelos de implantação de pedágios e de equipamentos de controle eletrônico de velocidade que tem servido quase que exclusivamente aos interesses dos segmentos econômicos que exploram estes serviços e poucos resultados tem trazido para os interesses da mobilidade sustentável e cidadã.

 

n) Incentivar o debate sobre as causas negativas do modelo de mobilidade centrado no automóvel – milhares de acidentes e mortes no trânsito e poluição ambiental – através da substituição da publicidade comercial de automóveis nos meios de comunicação televisivos por campanhas de educação no trânsito ligadas à década pela segurança no trânsito da ONU e da Jornada Internacional da Cidade Sem Meu Carro.

 

É preciso reconhecer que o debate da mobilidade sofreu uma profunda alteração política. Espero que os gestores públicos em geral e os governos em especial se deem conta que após as mobilizações das últimas semanas houve uma mudança qualitativa na compreensão social sobre as causas do caos urbano. Isso significa que as propostas e políticas a serem implementadas precisam ser estruturantes de uma nova concepção de cidade. Uma cidade mais inclusiva e democrática. As sugestões apresentadas são medidas que se adotadas podem significar uma revolução na área da mobilidade humana em nosso país, democratizando o uso do espaço urbano e fortalecendo a cidadania ativa.

 

*Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialistas em direitos humanos, dirigente nacional da ABONG – Associação Brasileira de ONGS e membro do Comitê de Apoio Local ao FSM.



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