Governadores e prefeitos que se reuniram ontem com a presidente Dilma Rousseff estão deixando bilhões de reais em verbas carimbadas para investimentos em transporte público sem absolutamente nenhum uso. O dinheiro está previsto no PAC Mobilidade Urbana - Grandes Cidades, que foi detalhado em abril de 2012, contemplando 44 projetos de transporte coletivo de média ou alta capacidade. Quase nada saiu do papel, demonstrando que a incapacidade das autoridades em elaborar projetos tem sido mais prejudicial para o andamento das obras do que a alegada falta de recursos para executá-las.
A construção ou a ampliação de linhas de metrô em cidades como Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Porto Alegre e Salvador estão com recursos parados no Ministério das Cidades à espera da apresentação dos projetos de engenharia e da licitação das obras.
A situação de paralisia também atinge os planos de novos veículos leves sobre trilhos (VLTs) ou corredores exclusivos de ônibus em cidades como Campinas, João Pessoa, Maceió, Recife, São Bernardo do Campo e Teresina.
Há pouco mais de um ano, Dilma anunciou a seleção de projetos habilitados no PAC, que totalizavam R$ 32,8 bilhões. Estados e municípios são obrigados a entrar com uma contrapartida, mas a maior parte viria diretamente da União: R$ 12,1 bilhões em financiamento da Caixa Econômica Federal (CEF), a taxas de juros subsidiadas, e outros R$ 10,2 bilhões em repasses a fundo perdido. É dinheiro do orçamento federal que não precisa de devolução. O programa impôs um prazo máximo para a contratação dos recursos: 18 meses. Esse prazo se esgota em 30 de outubro.
Dos R$ 10,2 bilhões de repasse da União, conforme informou o Ministério das Cidades em resposta a um pedido do Valor por meio da Lei de Acesso à Informação, menos de 7% foram contratados. Isso significa que há pelo menos R$ 9,5 bilhões parados no ministério. O financiamento da CEF, que tem como base os recursos disponíveis no FGTS, também está praticamente intocado: apenas 16,2% já têm uso garantido pelos governadores e prefeitos.
Dos 44 projetos selecionados, somente cinco percorreram os caminhos exigidos pela União para tomar os recursos oferecidos pelo governo federal: o BRT Transbrasil (no Rio de Janeiro), o VLT da área central e da região portuária (também no Rio), o Expresso Sul do Distrito Federal, um corredor exclusivo de ônibus em Manaus e um BRT em Belém.
A letargia das administrações estaduais e municipais continua a ser explicada por velhos problemas que acometem as obras públicas. Um dos casos que demonstram as trapalhadas das autoridades é o projeto do metrô de Porto Alegre, com 14,8 quilômetros de extensão e 13 estações.
Anunciado em 2011, o projeto foi orçado em R$ 2,4 bilhões e continua no papel, sem nenhum avanço concreto. A obra entrou no PAC Mobilidade e recebeu a garantia de um aporte de R$ 1 bilhão diretamente do orçamento federal, além de financiamento da CEF. A própria presidente Dilma Rousseff, quando visitou a capital gaúcha em abril, cobrou mais agilidade do prefeito José Fortunati (PDT). Mas o puxão de orelha teve pouco efeito prático.
Após meses de idas e vindas em torno do projeto de engenharia do metrô, a prefeitura voltou à estaca zero, ao descartar os estudos apresentados pelo consórcio formado pela Invepar e pela Odebrecht Transport. Os estudos indicavam um custo superior a R$ 9 bilhões porque previam a utilização de "tatuzões" para escavar os túneis, em vez de trincheiros a céu aberto. Insatisfeita, a prefeitura lançou uma convocatória para a apresentação de novos projetos. O detalhe é que a equipe de Fortunati jamais havia deixado claro anteriormente que havia restrição ao uso dos "tatuzões". Como os critérios não estavam claros, o cronograma atrasou e a licitação para as obras do metrô não saem antes de 2014.
O Ministério das Cidades também aguarda, até outubro, a entrega dos estudos de viabilidade técnica e econômica da primeira linha do metrô de Curitiba. Tudo indicava que a licitação da obra ocorreria em 2013, mas o prefeito Gustavo Fruet (PSDB) decidiu revisar o projeto assim que tomou posse, em janeiro. Ele resolveu continuar tocando o projeto do metrô, mas perdeu um tempo precioso e agora corre para ter os estudos prontos a tempo de não perder os recursos dados pelo governo federal. A obra, orçada em R$ 3 bilhões, tem R$ 1 bilhão de verbas da União e mais R$ 750 milhões de financiamento da CEF.
Projetos tocados por administrações petistas, como a do governador Agnelo Queiroz no Distrito Federal, também viajam em ritmo bastante lento. A ampliação e modernização do metrô de Brasília, em que a União bancaria a fundo perdido R$ 630 milhões dos R$ 700 milhões previstos nas obras, ainda aguarda a conclusão dos projetos de engenharia. Com isso, a construção de mais quatro estações e a chegada do metrô à Asa Norte não têm data certa para sair do papel e só com muita sorte haverá obras no governo Agnelo.
A situação mais penosa envolve prefeituras como São Bernardo do Campo e Campo Grande, que nem sequer contrataram projetos para as obras de mobilidade com recursos previstos no PAC.