De tão desrespeitada, reza a lenda contada entre risos pelos piadistas soteropolitanos, as faixas de pedestres de Salvador servem tão somente para homenagear a Timbalada e a protocolar pintura de seus músicos em dia de festa.
Se a história for essa mesma, os timbaleiros andam em baixa. Isso porque - sai das mesmas bocas - a concentração de faixas brancas em Salvador seria maior nos ensaios da banda que nas faixas de pedestres da capital baiana. Que o diga o aposentado Rubem Rosado, 73 anos, morador do Barbalho.
“Eu venho aqui, abro os braços na frente, peço pra parar, mesmo sendo arriscado, para as pessoas atravessarem. Muitas vezes são idosos, deficientes ou gente que vem, doente, para o posto de saúde”, contou. Faixa preta na arte de fazer os carros pararem, ele dedica horas de seus dias no ato solidário de ajudar as pessoas a atravessar.
Ele bate ponto na esquina da Ladeira do Arco com a Praça do Barbalho, e reclama das suas condições de trabalho. “Vai fazer 90 dias que mandei uma carta para a Transalvador. A próxima, eu vou mandar diretamente ao gabinete do prefeito. Infelizmente, os governantes só se preocupam com as obras faraônicas”, reclamou. Lá deveria existir uma faixa de pedestres. Seu Rubem não sabe nem precisar há quanto tempo ela está apagada, mas diz que já faz a conta em anos.
Enquanto isso, Salvador é a capital líder em média de mortes por atropelamento no trânsito. Aqui, segundo o Ministério da Saúde, 47% das mortes por acidente foram por atropelamento em 2012. A média nacional foi de 23%. A maior parte dos acidentes acontece nas avenidas Paralela, Antonio Carlos Magalhães, Octávio Mangabeira e Bonocô, segundo a Transalvador. Só este ano, 181 pessoas foram atropeladas em Salvador entre janeiro e abril, e sete morreram. O número de atropelos fatais caiu 84% em relação ao mesmo período do ano passado (43), mas ainda preocupa.
Desprivilegiado
O engenheiro Elmo Felzemburg, especialista em trânsito, diz que Salvador não oferece espaço ao pedestre. “A cidade precisa ser planejada para o pedestre, o que não acontece. Onde tem faixa sem semáforo, a preferência é do pedestre, mas ninguém obedece e a prefeitura não fiscaliza. Até nas áreas novas, o pedestre foi esquecido”, apontou.
A arquiteta Cristina Aragón, analista de transporte e tráfego, diz que o soteropolitano não respeita a sinalização. “Mesmo onde as faixas existem, as pessoas não param. Precisa haver uma conscientização de que a faixa é um território do pedestre”, afirmou.
As ‘faixas fantasmas’ do Barbalho não são casos isolados. Nas principais vias da cidade, há sinalizações quase imperceptíveis: avenidas Garibaldi, Oceânica, Vasco da Gama, Centenário, Octávio Mangabeira, Vale do Ogunjá, Rua Capitão Melo, em Stella Maris. Em algumas, a tinta foi ficando clara, até quase sumir de vez; em outras, só dá para saber que existia ali uma faixa por conta da presença das sinaleiras – ou de gente tentando atravessar.
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Em Ondina, vestígio de faixa aparece próximo à calçada
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Na Avenida Adhemar de Barros, em Ondina, as chances de atropelamento são visíveis. Em frente à entrada da Universidade Federal da Bahia (Ufba), é difícil perceber que um dia houve faixa. A Transalvador não soube dizer o percentual dos casos de atropelamentos que ocorrem em áreas com faixas.
“Aqui, a faixa tinha que estar bem visível, é por onde as mães levam as crianças para o Instituto Pestalozzi. Muitos motoristas já não respeitam quando tem, imagine quando não tem. A maioria passa direto, os ônibus param em cima do lugar da faixa”, contou a vendedora ambulante Vera Lúcia da Silva, 53.
Mais à frente, na Praça das Gordinhas, quatro sinaleiras dividem uma única faixa, que está parcialmente apagada. Quem precisa atravessar da calçada da Faculdade Social para a Praça das Gordinhas e, depois, para o ponto de ônibus da Avenida Oceânica, tem que ter atenção redobrada, já que um trecho nem possui a sinalização.
“Eu poderia ter sido atropelada”, disse a recepcionista Elisângela Santana, 24, que precisou se preocupar com os carros que vinham dos dois lados, os ônibus que respeitam uma sinaleira diferente, as poças de água e o guarda-chuva. “Eu já levei mais de meia hora para conseguir atravessar”, contou.
Sequelas
De acordo com a Transalvador, 117 pessoas morreram atropeladas em Salvador no ano passado. No artigo intitulado Como São Produzidos os Acidentes de Trânsito?, o médico Dirceu Rodrigues, da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), explica que, quando não morre, o estrago é grande.
Os atropelamentos em adultos quase sempre produzem fraturas em membros inferiores, com lesões secundárias. “Em crianças, comprometem bacia e tronco e ocorre impacto secundário com a cabeça”, disse. Um estudo do Departamento de Trânsito da Grã-Bretanha mostra que 45% das vítimas de atropelamentos morrem quando a colisão ocorre em velocidade média de 48 km/h. À velocidade de 64 km/h, a estimativa sobe para 85%.
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