Quem habita ou circula nas cidades brasileiras percebe os efeitos do crescimento acelerado da frota veicular. Os pontos de congestionamento se alastram e cada vez se gasta mais tempo nos deslocamentos, seja por carro ou por transporte coletivo.
Impulsionada por fatores como o aumento do poder aquisitivo da população e de incentivos governamentais, a taxa de motorização brasileira deve atingir 250 veículos privados por mil habitantes até 2020. Nas principais capitais brasileiras, esta taxa tornou-se realidade já no início da década passada e, atualmente, se aproxima dos 350 veículos por mil habitantes.
O cenário ora vivenciado no Brasil assemelha-se ao do velho continente entre as décadas de 70 e 90, quando a motorização média na Europa Ocidental passou de 200 para mais de 400 veículos por mil habitantes – hoje está na casa dos 500. O contexto da época é bem ilustrado por uma frase atribuída a Margaret Thatcher e publicada no The Guardian: “Qualquer pessoa com mais de trinta anos que utilize ônibus deve ser considerada uma fracassada na vida.”
No Brasil, ainda é praxe acreditar que alargando avenidas e construindo viadutos um dia resolveremos os congestionamentos. Os europeus comprovaram, ainda no século passado, a insustentabilidade dessa prática, pois o aumento da oferta viária em áreas urbanas apenas induzia ao crescimento da demanda por viagens de automóvel. Foi assim que as cidades europeias deram início a uma era de grandes avanços, com a criação de sistemas integrados de transporte coletivo sob a gestão de autoridades metropolitanas de transportes. Ao agregar a promoção do transporte não-motorizado e a restrição ao uso do automóvel privado, deu-se início a um crescente movimento de retomada das cidades pelos seus habitantes.
No que se refere ao transporte coletivo, o início da década de 80 viu o ressurgimento dos bondes, que haviam sido praticamente extintos em muitas cidades europeias na metade do século passado. Diferentemente da anterior, essa nova geração apresentava maior velocidade operacional e confiabilidade, graças à segregação viária. O bonde moderno também incorporou características típicas do metrô, como o embarque em nível. Ao ser implantado em diversas cidades, atraiu novos usuários ao transporte coletivo.
A partir dos anos 90, as cidades europeias incorporaram os ônibus como parte da melhoria dos sistemas de transporte. Uma série de medidas foi gradativamente implantada para renovar a desgastada imagem de um serviço irregular, lento e desconfortável. Entre elas: a implantação de faixas dedicadas, informação em tempo real nas estações e a priorização em cruzamentos. Criava-se, assim, o conceito do BHLS (Bus with High Level of Service), baseado em um controle central de operação e sistemas de informação, proporcionando integração tarifária e operacional com outros modais, e agregando atributos de conforto ao cliente, como assentos ergonômicos, tomadas de energia, TV a cabo e WiFi gratuito. Em muitos casos, os BHLS dobraram a demanda de passageiros transportados nos corredores onde foram implantados, provando ser uma alternativa capaz de atrair, inclusive, usuários do automóvel.
O Brasil tem grandes desafios pela frente para estancar o avanço no uso do carro privado. Os primeiros passos estão sendo dados. Algumas cidades já implantam corredores prioritários que livram o ônibus do congestionamento. A Europa nos mostra o caminho: a necessidade de trabalhar em várias frentes para alcançarmos mobilidade com qualidade.
Artigo publicado na coluna “Embarque nessa ideia” da Revista NTU Urbano, edição nº 2 MAR/ABR 2013.
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