Calçadas pra quem?

Uma caminhada pelas calçadas de Fortaleza mostra como a Cidade - entre desníveis, obstáculos e motoristas boçais - se mostra inimiga dos pedestres

Notícias
 

Fonte: Jornal de Hoje  |  Autor: Da redação  |  Postado em: 12 de abril de 2013

André diante de um dos muitos obstáculos da caminh

André diante de um dos muitos obstáculos da caminhada

créditos: Tatiana Fortes

 

“Se a calçada, se a calçada fosse minha / eu mandava todo carro procurar sua garagem”. Na paródia, o que pode parecer cantiga é quase oração. Nos 23 quarteirões (ou 2,7 km) que distanciam a sede do O POVO, na avenida Aguanambi, no bairro Joaquim Távora; da minha casa, na Rua Joaquim Nabuco, no Dionísio Torres, a média é de quatro “passeios” pelo asfalto, algumas corridinhas para pular ou superar algum obstáculo e um sobe-desce incessante. Tudo porque nos falta em Fortaleza o mais democrático dos meios de transporte: a calçada.

 

A missão passada foi relatar aquilo por que passo diariamente por não me dobrar à ditadura automotora - sou alguém que, na maior parte dos meus trajetos, optou pelas caminhadas. Tênis All-Star a postos (porque, aos 25 anos, me dou ao luxo de primar pela estética em detrimento da funcionalidade), parto no meu rumo perenemente inclinado para a esquerda - nunca entendi, aliás, por que raios a maioria das calçadas têm de ter essa inclinação, talvez para privilegiar o acesso dos automóveis (e quase nunca os pedestres).

 

Na maior parte da caminhada, é aquela ditadura automotora pedindo passagem. Muitas vezes nem notamos como andamos em calçadas inclinadas na direção da pista, sempre dando entrada para o carro ditador. Quem sabe os arqueólogos do futuro vão identificar o fortalezense do início do século XXI pelo seu exótico formato dos pés.

 

Enquanto a inclinação irrita a mente e agride as solas dos sapatos, o ziguezague é recorrente. Afinal, se um motorista está com pressa na hora de resolver seus problemas, por que não aproveitar a calçada “só um pouquinho” como estacionamento? A pressa é tanta, imagino, que os carros nem se dão ao trabalho de deixar a mínima passagem para o pedestre, e já na altura do quarto quarteirão precisei me arriscar passando por detrás dos carros estacionados, correndo o risco de um carro em marcha à ré dar um encontrão em mim - ou, pior, ser atropleado por outro que vem na via. No início da tarde de terça-feira, quando eu e a repórter fotográfica Tatiana Fortes partimos em nosso trajeto, foram cinco as vezes em que tivemos de atravessar por detrás dos carros, por vezes “subindo” para a pista. Subindo? É. Não sou especialista, mas creio que o sintoma do recapeamento mal feito seja esse do asfalto da avenida Antônio Sales ser, em muitos trechos, mais alto do que as calçadas.

 

A paisagem ganha um tom especial lá pelo 12º quarteirão da nossa jornada. Terça-feira foi dia de sol, mas o espelho d’água em frente a uma igreja evangélica continua lá, ameaçando de um banho o transeunte mais distraído.

 

Para a experiência ficar completa, até atravessei a rua para conhecer o outro lado da Antônio Sales. Depois de uma série de pedras, buracos e até um bueiro semiaberto, achei melhor voltar ao meu caminho tradicional - pelo lado direito da via.

 

O trajeto entre os bairros José Bonifácio e Dionísio Torres não é dos piores. Em bairros mais periféricos ou mais esquecidos pelo poder público, tenho certeza que a situação é pior. E se eu – 25 anos, boa saúde e longe do sedentarismo –, encontro minhas dificuldades, aqui vai o desafio: como mães e pais podem passear com seus carrinhos de bebês entre desníveis e falta de rampas para os caminhantes? Como um cadeirante pode sair de casa e dar de encontro com esse calor de que tanto reclamamos, quando a rua parece ser cada vez mais dos carros e ter cada vez menos árvores para nos proteger do sol?

 

Em Fortaleza, pelo que vivencio todos os dias, pedestres não são bem-vindos.

 

ENTENDA A NOTÍCIA 

No segundo dia da série sobre urbanismo, que tem como gancho o Fórum Adolfo Herbster (que acontece amanhã) e o aniversário da Cidade, o Vida & Arte mostra a dificuldade por que passam os pedestres em nossas calçadas.

 

Atenção e paciência 

1) Repórter tem de se arriscar pela pista porque alguns carros interrompem a calçada 2) A placa, que pede que motos e carros não estacionem para livrar a passagem de pedestres, não poderia ser mais irônica 3) Lixo, galhos, bueiros e material de construção foram alguns dos obstáculos encontrados ao longo da jornada 4) Em alguns trechos, a calçada não chega a ser ruim simplesmente porque não existe

 

Leia também:

Metrô da linha Leste de Fortaleza passa a custar R$ 3,43 bi 

(I)mobilidade urbana 

Custo para reparação de vandalismo no VLT de Fortaleza é de R$ 300 mil 


  • Compartilhe:
  • Share on Google+

Comentários

Nenhum comentário até o momento. Seja o primeiro!!!

Clique aqui e deixe seu comentário