Em uma das várias concessionárias que se espalham pela Avenida Raja Gabaglia, carros de marcas caras e cobiçadas, como BMW, Mercedes e Audi, mexem com os sonhos de quem passa pela via na altura do Bairro Santa Lúcia, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. No interior da loja, três estão à mostra. Os 27 restantes que compõem o estoque estão na calçada. Ainda que embaixo da marquise e bem alinhados com a parede do imóvel, dividem espaço com pedestres que caminham pelo passeio. O dono do estabelecimento, Glênio Leonardo Oliveira, diz que nunca foi procurado pela Prefeitura de BH para regularizar a situação desde que trabalha no local, há seis anos. E afirma que qualquer medida adotada pela administração municipal para mudar a situação atual vai afetar os negócios de todos os empresários do ramo ao longo da avenida.
“A calçada funciona como uma vitrine para meu negócio. Se eu não puder estacionar aqui, posso entregar a loja, que é alugada”, reclamou. O empresário acredita que a prefeitura deve encontrar uma solução adequada para a cidade, mas em conformidade com o trabalho dos comerciantes. “Não adianta radicalizar”, opina.
O que parece tomar rumos de uma queda de braço pode se estender para outros ramos e ocupações, já que a Raja apresenta problemas como depósito de lixo irregular, passeios esburacados e publicidade inadequada. Um dos exemplos pode ser visto em frente ao número 4.125 da avenida, onde uma faxineira jogava ontem dois sacos de lixo na calçada por volta das 15h30, horário proibido, de acordo com a escala de coleta da prefeitura, que na região é noturna. “Saio do trabalho às 16h e não tem ninguém para jogar o lixo fora. Já fui advertida por um fiscal, mas expliquei a situação e ele liberou”, contou ela.
Mesmo com a vista grossa da fiscalização, o estudante Adilton Júnior Ladeira Pereira, de 19 anos, não aprova a situação. “Essa sujeira incomoda, porque deixa a cidade com péssimo aspecto”, disse o rapaz, que estuda em uma universidade na Raja. Na condição de pedestre, ele reclama ainda dos muitos veículos sobre o passeio. “Os carros tumultuam a passagem e tornam a travessia perigosa”, afirmou.
O estagiário Ericson Rodrigues Lucas, de 20, chamou atenção para as consequências do entra e sai de carros nos passeios. Segundo ele, além do risco de atropelamento, os veículos atrapalham o trânsito na avenida e testam a paciência de motoristas e pedestres.
Com tantos buracos no passeio, a doméstica Isabel Cristina Gomes, de 34, que gosta de usar sapato de salto alto, precisa de muito equilíbrio ao passar pela Raja, onde trabalha. “As calçadas são péssimas. Todas esburacadas e sem acessibilidade. Tenho dó de quem é cadeirante, porque não consegue passar por aqui”, relatou.
Para a conselheira e diretora do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Minas Gerais (IAB/MG) Cláudia Pires, a iniciativa da prefeitura é muito importante, mas devia ter sido implementada há mais tempo. “O passeio é parte da via pública e merece a mesma atenção dada às ruas por onde circulam os carros. A política pública de acessibilidade deve preservar os interesses de quem anda a pé e de carro”, diz.
A especialista afirma que o espaço dos pedestres é tão prioritário quanto os corredores exclusivos do transporte rápido por ônibus (BRT, na sigla em inglês). “O pedestre tem o direito de circular sem barreiras e sem ser lesado, com qualidade. Eu sou a favor da municipalização dos passeios públicos. A prefeitura poderia cobrar uma taxa no Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) e ela mesma cuidar dos passeios, para evitar que cada calçada fique de um jeito diferente”, sugere.
Outros corredores
O projeto Amar BH, que começa pela Raja Gabaglia, prevê que o trabalho continuará em outras 19 grandes avenidas, como Afonso Pena, Amazonas, Cristiano Machado e Antônio Carlos. De acordo com o prefeito Marcio Lacerda, a prefeitura já conta com R$ 40 milhões para recompor o asfalto dos 20 corredores. Só para a Avenida Otacílio Negrão de Lima, na Região da Pampulha, serão R$ 5 milhões, informou. Os demais investimentos do poder público dentro do projeto vão contemplar ainda a revitalização e criação faixas de pedestre, além da Operação Oxigênio, cujo objetivo é medir o nível de poluição atmosférica e autuar aqueles que não cumprem a lei.
Prédio da Emater dá bom exemplo
Se a maior parte dos passeios dos imóveis na Avenida Raja Gabaglia apresenta irregularidades, um deles é modelo. Durante o lançamento do projeto Amar BH, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater) foi premiada com um certificado da Prefeitura de Belo Horizonte. O documento atesta que o passeio do prédio é exemplo e segue as disposições previstas no Código de Posturas da capital, atendendo as regras de acessibilidade, preservação de áreas verdes e prioridade para trânsito de pedestres. O imóvel fica no número 1.626 da via, na altura do Bairro Gutierrez.
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