Nunca esqueço do meu estado de espanto quando, pela primeira vez, vivi a experiência de ter a preferência como pedestre. Antes que eu me iludisse com a gentileza do motorista que freou e me esperou atravessar a rua, meu amigo explicou: "Aqui é lei, os carros param para o pedestre atravessar". Fiquei encantada. E justo em Brasília, uma cidade planejada para veículos, os grandes astros da era em que a capital foi erguida. Só que os tempos já são outros há mais de 60 anos e os carros continuam sendo os donos do pedaço, lá e em todo o país.
No ano passado, foi a vez de São Paulo, com desafios imensos em termos de trânsito, iniciar campanhas pelo respeito à faixa de pedestre. E somente entre maio de 2011 e janeiro deste ano, o número de pedestres mortos na região central caiu 37%. Assim como foi com o cinto de segurança, ainda serão necessários anos e muitas multas para a "lei pegar", como dizem.
Não acho certo o pedestre ter que correr para atravessar uma rua, mas isso acontece comigo sempre. Quando estou terminando de cruzar uma larga avenida e um carro ou ônibus range agressivamente o motor para me alertar de que irá acelerar, é como se me ameaçassem com uma arma.
Daqui a pouco precisaremos de passarelas por todos os lados, já que nem leis ou campanhas serão capazes de deter a violência expressa no trânsito das grandes cidades, onde o pedestre é uma pedra no caminho, e nada mais.
No Rio, o poder público fala em investimentos no sistema de transporte público e no estímulo ao uso dele pela população. Esquece um detalhe importante: antes de chegar ao ônibus ou ao metrô, o usuário é um pedestre. E isso não pode ser ignorado quando se instala estações de ônibus no meio de vias largas e com faixas de pedestres distantes até 1,2 km uma das outras, como na Transoeste, na 'até ontem' erma zona oeste.
O resultado? Dois pedestres atropelados em uma semana, tentando alcançar uma das estações. A prefeitura culpou a falta de educação deles, e anunciou uma campanha. Do outro lado, a população reclama das longas distâncias para fazer a travessia sem perigo, além das calçadas mal conservadas ou mesmo inexistentes.
O pedestre não pode ser imprudente. Mas um sistema de transportes planejado para melhorar a qualidade de vida dos moradores também não poder ignorar a necessidade de criar melhores acessos a ele. Uma cidade que privilegia os carros vive no século passado.
* Artigo publicado originalmente no jornal Destak