São Francisco, a opção pelo bonde

Cidade norte-americana recusa o modelo do automóvel, e preserva a qualidade de vida com um transporte público elétrico, na medida para o espaço urbano

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Victoria Broadus  |  Postado em: 05 de junho de 2012

VLT de São Francisco

VLT de São Francisco

créditos: Richard Panse

No começo do século vinte, a população das grandes cidades americanas utilizava o bonde elétrico. Décadas depois, uma série de fatores já havia levado a uma mudança no cenário urbano: políticas públicas retrógradas, forte marketing do carro (“símbolo de status”) e o lobby das indústrias ligadas ao automóvel fizeram desaparecer o bonde na maioria das metrópoles daquele país. Começava aí o “romance” com carro, que invadia rapidamente o espaço público. 

 

A exceção foi São Francisco, na Califórnia. De forma surpreendente, a cidade soube preservar o patrimônio de transporte por bondes e, decorrente dessa opção, atingir um nível de qualidade de vida invejável no país.

 

As ladeiras íngremes de São Francisco levaram a que se adotasse um sistema de bondes diferente, o dos “carros a cabo” (“cable car”, veículos tracionados por cabo, a partir de motores estacionários). A primeira linha foi instalada em 1873. Hoje, a cidade conta com 17 linhas de bonde convencional, 3 linhas de carros a cabo (as únicas ainda existentes no mundo), e ainda uma linha de bondes históricos, com carros restaurados.

 

Segundo Dario Hidalgo, diretor do Embarq - Centro de Transporte Sustentável do Instituto de Recursos Mundiais, já em meados do século passado São Francisco gozava de elevado grau de desenvolvimento urbano: “Após a corrida do ouro de 1876, esta cidade cresceu muito rapidamente, e se consolidou nos anos 50 muito antes do que a maioria das cidades americanas”.

 

O fato de a cidade não ter se deixado levar tão facilmente pela tendência à supremacia do automóvel também encontra razões na própria topografia. Cidade pequena, situada numa península com apenas 75 km², é cheia de ladeiras íngremes, e essa conformação desafiou os limites do carro, analisa Hidalgo.

 

Para aproveitar ao máximo o pouco espaço, as ruas da cidade foram desenhadas muito estreitas, lembrando ruelas das antigas cidades europeias. Assim, diz o especialista, o conflito entre carro e bonde, que surgiu em outros locais, não teve nem chance de se colocar em São Francisco, já que os moradores dependiam demais deste serviço, e simplesmente não havia como dividir este espaço nas ruas com o carro.

Pessoas embarcando no bonde

Pessoas embarcando no "cable car" em São Francisco

créditos: Divulgação

 

Resistência ao automóvel

 

Indo além, a cidade desenvolveu uma espécie de aversão ao carro. Tanto que, além de preservar o bonde, São Francisco foi a única nos Estados Unidos que rechaçou os planos de governos para que uma rodovia atravessasse o centro da cidade.

 

Associações de moradores, como a influente Haight-Ashbury Neighborhood Council, fundada em 1960 e atuante até hoje,

uniram-se para protestar contra o projeto do Panhandle-Golden Gate Park Freeway, uma rodovia que teria acabado com 60% do famoso Panhandle Park.

 

A oposição às rodovias foi tão forte que, em 1959, o Conselho de Supervisores da cidade votou por descartar 7 dos 10 planos existentes para rodovias. Em  1964, poucos meses depois do protesto histórico, o mesmo Conselho votou (6 a 5) contra a construção do Panhandle-Golden Gate Park Freeway.

 

Mas as autoridades tanto insistiram que acabaram por aprovar a obra de um “minhocão”, o Embarcadero, inaugurado em 1959. Trinta anos depois, em 1989, o terremoto Loma Prieta causou danos irreparáveis à sua estrutura, e a cidade, num gesto esclarecido, optou por derrubar o minhocão em vez de reconstruí-lo.

 

Em seu lugar, ao custo de 50 milhões de dólares, foi construído um bulevar, com passeios de mais de 7 metros de largura de cada lado, paisagismo de palmeiras e pracinhas em todo o perímetro, além de uma coleção de peças de arte pública. Em baixo, a eliminação da antiga estrutura elevada abriu espaço para mais de 40 hectares de praças e parques à beira da baía; e nos arredores, as propriedades valorizaram 300%, em média.

 

Hoje, os bons resultados combinando preservação do sistema de transporte coletivo e rejeição a atrocidades urbanísticas como o minhocão faz da cidade um modelo mundial.

 

Já no Brasil, desde 1975 está colocada a discussão sobre a demolição do Elevado Costa e Silva, o minhocão paulistano. Quatro prefeitos – Jânio Quadros, Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab – levantaram essa possibilidade, mas nenhum deles sequer elaborou um plano para viabilizar a empreitada. Neste ano de eleições, valeria a pena os candidatos ao governo municipal conhecerem o caso de São Francisco para melhor poderem avaliar seus planos urbanísticos.

 

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Comentários

Emmanuel Marcel Favre-Nicolin - 08 de Junho de 2012 às 13:01 Positivo 1 Negativo 0

Parece que isso tem a ver com a presença de mentes abertas em São Francisco o que permitiu o Free Speech Movement no início dos anos 1960...

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