Serão três módulos de treinamento, hoje esta ocorrendo o primeiro, quando os agentes receberão um curso sobre legislação de trânsito com os principais artigos do CTB que dizem respeito a bicicleta.
Amanhã entra a minha parte, onde passarei informações sobre o comportamento dos ciclistas, além de mecânica básica e técnicas de pedalada segura. O terceiro módulo será na sexta, onde eles receberão os procedimentos padrões de operação, como serão suas abordagens, as multas que poderão aplicar, etc.
A última etapa do treinamento será em campo, irei acompanhar cada um dos agentes no seu trabalho como uma espécie de Bike Anjo, para garantir que aquele operador esteja pronto para encarar a operação com a bike. Essa etapa começará na semana que vem.
A princípio, a maioria dos agentes que passarão pelo treinamento são os que atualmente realizam a fiscalização de Zona Azul na região de Moema. Mas todo esse treinamento que foi criado pelo setor de treinamento da CET com minha consultoria (voluntária, é bom deixar claro). Esse primeiro treinamento é uma espécie de protótipo, após essa fase inicial será fechado um treinamento específico que passará a ser incorporado como treinamento oficial da CET. Da mesma forma que ocorreu com o treinamento aos motoristas de ônibus que hoje são obrigatórios a todos motoristas ligados a SPTrans em São Paulo.
Porque Moema?
Primeiro porque Moema recebeu uma pequena rede cicloviária com Ciclofaixas e Ciclorrotas, além de estar perto do Parque do Ibirapuera, onde esta a base dos agentes da Zona Azul e também onde estão as bicicletas da CET que serão utilizadas na operação.
Eles vão multar só zona azul?
Não. Esses agentes da CET são capacitados para aplicar qualquer multa que os demais agentes podem aplicar, estacionamento proibido, rodízio, desrespeito a semáforos e faixas de pedestres. Além das novas multas referentes a proteção dos ciclistas, que todos os agentes da CET receberam treinamento recentemente e passarão a aplicar de forma mais efetiva a partir do dia 15.
Vão multar ciclistas?
Não, principalmente porque apesar de haver legislação para isso, em São Paulo não há regulamentação para que isso ocorra, portanto não há modos de punir o ciclista. Mas eles serão treinados para orientar os ciclistas. A maioria das infrações que os ciclistas cometem, além de não colocarem terceiros em risco, geralmente são feitas de forma defensiva ou por desconhecimento das regras de trânsito.
Esses agentes serão treinados a identificar o comportamento do ciclista e orientá-los a pedalar dentro da lei e com segurança. Com o tempo saberão inclusive dar informações sobre postura e formas de pedalar, problemas mecânicos com as bicicletas dos demais ciclistas, como qualquer ciclista experiente já costuma fazer em nossas pedaladas por aí.
Qual a importância desse treinamento?
Agora vou dar a minha opinião e nada melhor ilustrar mostrando essa foto com minha amiga Renatinha Falzoni.
Aqui ela faz uma gravação para o seu programa, durante nossa Cicloviagem pelo Vale Europeu (em Santa Catarina) onde ela fala da importância de um bueiro. Mas o que um bueiro tem a ver com bicicleta? Esse daí tem tudo a ver.
Note que é um bueiro bem diferente do que estamos acostumados a ver nas cidades brasileiras. A região do Vale Europeu tem uma forte influência da colônia Alemã e Italiana e tem muitos ciclistas, podemos dizer que a cultura da bicicleta está impregnada na população e a melhor forma de demonstrar isso é usando esse bueiro como exemplo.
Reparem que ele não tem aquele buraco junto à guia, que sabemos ser extremamente perigoso para os ciclistas. Ele não tem nenhuma depressão e as grelhas são perpendiculares ao sentido das nossas rodas e por quê? Por que quem projetou esse bueiro sabe que ciclistas irão passar por ali, ou seja, já tem a cultura da bicicleta impregnada em sua vida.
O que vocês acham que vai acontecer com nossa cidade quando tivermos centenas de agentes da CET fiscalizando as ruas da cidade de bicicleta? Por conseqüência, a cultura da bicicleta irá fazer parte da empresa CET. Hoje o que impera na empresa é a cultura da fluidez motorizada, até porque grande parte dos funcionários vivem essa cultura, só andam de carro e de forma indireta (e na maioria das vezes sem má-fé) acabam vendo apenas a visão do motorista e isso faz com que toda a lógica de trabalho deles tenha como foco sempre o motorista, principalmente no planejamento da cidade.
Outro exemplo rapidinho, numa dessas reuniões com dezenas de técnicos da CET sobre esse treinamento, em uma conversa de cafezinho, peguei dois funcionários da CET comentando sobre o transtorno que uma feira causava em certo ponto da cidade. Pediram minha opinião e eu disse que adoro feiras, sempre que estou de bike e tenho tempo, paro para comer um pastel e que elas em nada atrapalham a minha vida.
Sem falar que a maioria dos moradores da região, até mesmo aqueles que moram na rua, dificilmente são contra a feira. No final acabaram concordando que a minha visão era mais importante e que a deles era de certa forma egoísta, como é a da maioria dos motoristas infelizmente. Com certeza, depois que tivermos centenas de agentes da CET pedalando pelas ruas, muitas das nossas impressões que hoje são discutidas na internet e nas redes sociais, serão discutidas nesses papos de café dentro da empresa, não demora muito para que a cultura da bicicleta, responsável por mudar radicalmente a forma de ver o mundo da maioria dos ciclistas, de certa forma também irá influenciar na forma de ver a cidade dos planejadores dessa empresa.
Vale lembrar a experiência com os motoristas de ônibus ciclistas que citei no post anterior. Enquanto os motoristas de ônibus e os multiplicadores tentavam dividir a responsabilidade dos acidentes com os ciclistas, os motoristas ciclistas, que conhecem nossas dificuldades e sabem que ciclista suicida não tem nem no Iraque, só conseguiam falar como ciclistas. Não porque eles pensem de forma egoísta, mas porque eles conhecem os dois lados da moeda e sabem que como nós somos mais fracos no trânsito, dependemos muito de uma pilotagem segura deles enquanto motorista.
Eu particularmente venho lutando para que os agentes da CET pedalassem a vários anos e estou muito feliz com mais essa vitória. Sei muito bem que uma simples medida dessa seria importante para consolidar ainda mais a cultura da bicicleta na cidade, além de ser mais um passo para torná-la mais humana e mais segura para os ciclistas.
Estamos caminhando, nada de passos largos ou dando passos maiores que as pernas, mas passos curtos e consistentes, plantando aqui, colhendo lá na frente e confiante que de forma consistente estamos mudando nossa cidade e escrevendo nossos nomes na história.
Vou copiar aqui uma fase que o Denis Russo escreveu certa vez em seu blog:
“Mas o fato é que viver no meio de uma revolução, se por um lado é complicado, é também um baita privilégio. Significa que vivemos uma época de construir coisas, de criar, de propor.”
Estamos vivendo uma revolução, grandes instituições estão caindo e as novas estão sendo criadas lentamente e o mais gostoso é que podemos participar dessa criação.
Vamos lá, mais uma vitória que só depende de nós para ela se manter e ampliarmos. Portanto se a partir da semana que vem você começar a ver alguns agentes da CET pedalando pelas ruas de São Paulo, pare, converse com eles (sem atrapalhar o trabalho deles), demonstre o quanto você também está feliz com essa iniciativa e escreva também seu nome nessa linda revolução que estamos vivendo.
Leia também:
Multa a motoristas que desrespeitarem ciclistas
CET registra aumento de 0,6% nas mortes no trânsito de SP
Após reclamações, Prefeitura de São Paulo muda ciclofaixa de Moema