Se a equipe do O POVO fosse uma ronda de fiscalização da Autarquia Municipal de Trânsito, Serviços Públicos e de Cidadania (AMC), teria terminado a andança nas ruas de Fortaleza ontem à tarde com um bloquinho de autuações lotado. Em uma hora e meia, foram 46 flagrantes de desrespeito ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) nos bairros José Bonifácio, Centro, Monte Castelo, Farias Brito, Carlito Pamplona e São Gerardo. E olhe que nem se tratava de período de pico. Passava pouco das 14h30min quando os trabalhos iniciaram.
Na capital da receptividade, condutores, pedestres e até passageiros são renitentes. Com facilidade, desobedece-se da regra que resguarda a própria vida (como o uso do cinto de segurança e do capacete) à que preserva o outro (excesso de velocidade e avanço de semáforo). É como se os ensinamentos de direção defensiva nos cursos de formação de condutores e as inúmeras tragédias veiculares habitualmente divulgadas nos meios de comunicação fossem ignorados.
Na Praça do Ferreira e entorno, motorista de carro particular estaciona em local proibido, faz fila dupla (quando não, tripla), para sobre faixa de pedestre e bloqueia o acesso de pessoas com deficiência, idosos e grávidas.
De ponta a ponta da avenida Bezerra de Menezes, é carro largado na contramão ou sobre a calçada, condutor dirigindo abaixo da velocidade mínima permitida ou avançando preferencial e motociclista forçando retorno.
Na avenida Duque de Caxias, é caminhão-baú fazendo descarregamento imediatamente abaixo da placa de proibido estacionar, motoqueiro trafegando pela calçada e forçando o pedestre a andar no asfalto e ciclista abrindo mão da ciclovia para disputar espaço com automotores.
Em todas as regiões da cidade visitadas ontem, O POVO deparou-se com caronas sem cinto de segurança, condutores (de carro e moto) dirigindo enquanto falavam ao celular e gente (muita gente) ignorando as faixas de pedestre, arriscando passagens bamboleantes entre ônibus e topics impiedosos pelo cumprimento de horários.
Acidentes não aconteceram por pouco. Quase nada. Quase uma guerra, onde todos perdem. E sofrem. É preciso boa dose de paciência. “A criança cresce vendo os pais estressados no trânsito e acha aquilo normal. Você sendo educado, o resto vem por acréscimo. E todos precisam ser”, defende o promotor de Justiça responsável pelo Núcleo de Trânsito do Ministério Público Estadual (MPE), Gilvan Melo.
Para além da fiscalização, as vias de Fortaleza padecem de educação. De solidariedade. De civilidade, como bem destacou no O POVO de ontem a psicóloga Gislene Macedo. “Acho delicado falar de indústria da multa. Porque, para ter multa, tem que ter o infrator. E, aqui, as pessoas fazem o que querem no trânsito! O trânsito caótico é algo possível de ser civilizado”, assegura ela.
Serviço
Ocorrências e denúncias de trânsito podem ser comunicadas à Autarquia Municipal de Trânsito (AMC) e ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
Telefone: 190
ENTENDA A NOTÍCIA
Se cada um cumprisse o CTB e tivesse uma postura mais solidária no trânsito, enfrentar as ruas de Fortaleza seria algo muito mais leve. Teríamos também menos condutores multados. Logo, a qualidade de vida melhoraria.
Fala, internauta
“Em Fortaleza, facinho dá pra tirar 50 multas/dia. E digo mais: todo mundo que tirou CNH fez autoescola. Sabe como deveria se comportar no trânsito! Educação também é caráter, não é só o governo que deve ser responsável!”,Eliane Luz.
“A desculpa de excesso de multa pertence aos infratores, que não cansam de estacionar em fila dupla e parar o trânsito e por aí vai...”, Tarcísio Daniel Rocha.
“Sabe-se que o objetivo da AMC é tão somente arrecadar e jamais educar. Os agentes são todos mal educados e despreparados para a função. E, como eles têm o poder de multar, o fazem com maestria”. Fernando Cesar Farias Bezerra.
“AMC é uma entidade inoperante. A fiscalização e a educação no trânsito estão abandonadas”.
Luiz Pacheco.
Resumo da série
Na segunda-feira, 7, O POVO mostrou que a área de educação de trânsito foi a que recebeu menos investimentos da AMC em 2010 e 2011. Ontem, revelou procedimento administrativo do Ministério Público para apurar multas aplicadas pelos agentes. Um caso chama a atenção: um único fiscal foi responsável por dez mil notificações. Hoje, expõe o comportamento do fortalezense nas ruas.
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