A Secretaria Municipal de Transportes de São Paulo anunciou, no final de 2011, uma nova iniciativa para restringir a circulação de caminhões em importantes vias da cidade. A ideia é que os veículos não circulem em trechos da Marginal Tietê e de grandes avenidas como Ermano Marchetti, zona oeste de São Paulo, nos horários de pico, para aumentar a fluidez do trânsito. Outras duas portarias oficiais determinam também a restrição de caminhões em parte da Marginal Pinheiros, em algumas avenidas do Morumbi e na Radial Leste.
Segundo Frederico Bussinger, engenheiro, economista e ex-secretário municipal dos transportes, um dos grandes problemas da capital paulista é que o transporte de cargas disputa o mesmo espaço que é utilizado para o transporte de passageiros. Para tentar equilibrar essa equação, uma das saídas é, como fez a prefeitura, restringir a presença dos caminhões. Uma observação de Bussinger, porém, levanta um questionamento sobre a eficácia da alternativa: “Evidente que nós temos que criar restrições, mas isso é insuficiente”, opina, e dá o exemplo prático, tirado de uma conversa com um empresário: “Se não pode o caminhão, eu mando dois VUCs [Veículo Urbano de Carga], se não pode o VUC eu mando 6 Kombis, se não pode a Kombi, eu mando 15 Fiorinos. A carga chega. Se ela não for, a cidade vai esvaziar ou de população ou economicamente”.
Viagens pelo asfalto
O fato é que a cidade precisa ser abastecida. Com mais de 11 milhões de habitantes, segundo o Censo 2010 do IBGE, São Paulo precisa receber diariamente produtos que atendam à demanda da população, desde o leite que será colocado na gôndola dos mercados até as matérias primas para a construção civil. “Só a construção civil dentro da Região Metropolitana de São Paulo movimenta mais do que o Porto de Santos, que é o maior porto do hemisfério sul do planeta”, relata Bussinger.
A dinâmica do transporte de cargas, porém, revela o gargalo nessa operação: segundo a Secretaria Estadual de Logística e Transportes, 93% das viagens são feitas por rodovia. Ou seja, mais de 90 entre 100 mercadorias que chegam a São Paulo provavelmente vieram pelo asfalto, concorrendo com os veículos particulares e os ônibus municipais. Além disso, como a cidade é o ponto de cruzamento de várias rodovias, é comum que muitos veículos passem por suas avenidas sem que elas sejam seu destino final. Esse, aliás, é um dos problemas que o projeto do Rodoanel tenta amenizar.
Em seu boletim estatístico de 2009, a Secretaria estadual culpa a paralisia do setor ferroviário pela predominância rodoviária. Bussinger, por sua vez, destaca que isso se deve à facilidade desse tipo de transporte: é auto-suficiente, ao contrário do ferroviário ou hidroviário, que dependem do complemento rodoviário para que a carga chegue ao fim da linha. Para isso, seria necessário ter uma boa intermodalidade. “Como no Brasil não há um gerenciamento coordenado, o quadro conspira a favor do transporte rodoviário”, afirma.
O engenheiro também menciona a falta de logística no país, que envolve fatores como a infraestrutura viária, a distribuição de cargas e a tecnologia da informação. “Esse é um tema que não está nas nossas agendas, nós ainda não conseguimos planejar, não conseguimos gerir a logística. Os governos não estão preparados para isso”. Outra informação apontada por Bussinger revela a falta de organização dos transportes: 46% dos caminhões que trafegam pelo estado estão vazios. Isso porque, na maior parte das vezes, o veículo entrega a mercadoria e não carrega nada na viagem de volta.
Trilhos avançam lentamente
Uma das saídas para desafogar as vias paulistanas seria investir em modelos alternativos. Os projetos para construir o Ferroanel e o Hidroanel em torno da Região Metropolitana já existem, mas sua implantação avança lentamente.
No caso do Ferroanel, o objetivo é promover a intermodalidade no transporte de cargas no estado e reduzir os congestionamentos nas vias rodoviárias que dão acesso a São Paulo. A obra também facilitaria principalmente o acesso ao Porto de Santos. Atualmente, além de passarem pela já saturada capital paulista, os trens de carga ainda disputam espaço com os de passageiros, pois utilizam as linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).
O início de sua construção está sendo anunciado há mais de sete anos. Em uma reportagem da revista Istoé Dinheiro (ago 2005), o governo do estado anunciava que a licitação seria aberta até dezembro daquele ano e que as obras começariam no ano seguinte. Em 2007, o projeto chegou a ser incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas não evoluiu por conta da dificuldade de negociação entre o governo federal e o governo paulista. Em agosto de 2011, o governo de São Paulo anunciava a elaboração de estudo para a implantação dos 211 km de trilhos necessários ao anel ferroviário, com prazo para ficar pronto em julho de 2012. A promessa agora é que serão destinados R$ 3,65 bilhões para a implantação dos trechos Norte e Sul do Ferroanel.
O Hidroanel, por sua vez, foi concebido na década de 1970, e está sendo retomado como possível alternativa. Nas palavras do próprio Bussinger,
“São Paulo é quase uma ilha”. Basta construir um canal com cerca de 28 km para operar uma interligação de 186 km de hidrovia.
No boletim estatístico de 2009, a Secretaria Estadual de Transportes também menciona os esforços em ampliar o transporte aquaviário, citando o projeto do Hidroanel. Segundo um estudo de pré-viabilidade do projeto apresentado pelo Departamento Hidroviário, órgão vinculado à Secretaria, as obras para implementá-lo custariam cerca de R$ 2 bilhões e levariam pelo menos 12 anos para serem concluídas.
Tanto o Ferroanel quanto o Hidroanel são projetos de grande porte, que necessitam de alto investimento e visão de longo prazo para serem concretizados. O impacto na eficiência dos transportes de carga e o alívio para as vias paulistanas, porém, estariam entre suas consequências mais notáveis. E, como Bussinger afirmou, “esse hidroanel cruza com o Rodoanel e com o futuro Ferroanel em três pontos diferentes. Então, há três pontos de potencial integração trimodal”.
* Produzido originalmente para a 1a Conferência de Imprensa da Oboré (2012)