Diretor da Green Mobility, consultoria especializada em cooperação técnica e no desenvolvimento de planos de mobilidade para empresas e governos, Lincoln Paiva há anos vem organizando delegações para viagens a diversas partes do mundo. Nessas visitas, governantes e empresários trocam experiências e têm a oportunidade de conhecer novas práticas de planejamento urbano e sistemas de transporte sustentáveis.
- De onde veio seu interesse pelo tema da mobilidade?
Meu pai era fascinado por trens e tecnologia, e isso deve ter influenciado. Eu o vi trabalhar em projetos de construção de vagões de trem e, nos anos 70, nos primeiros carros do metrô de São Paulo. Ele era o "head" da área de organizações e métodos da Cobrasma.
- Como surgiu a Green Mobility e de que modo a empresa apoia projetos sustentáveis de cidades e empresas?
Após anos montando relatórios ambientais para empresas privadas, verificamos que mais de 90% das emissões de gás de efeito estufa (GEE) provinha do setor de transportes, sobretudo dos deslocamentos de funcionários. Estas emissões, consideradas indiretas, não preocupavam as empresas, que transferiam a responsabilidade pela mitigação destes impactos para os governos. A Green Mobility foi a primeira a atuar sistematicamente no desenvolvimento de metodologias que permitiram às empresas de um lado diminuir custos e aumentar a produtividade e, de outro, reduzir suas emissões de CO2. Em 2009, nossa metodologia foi selecionada para a Bienal de Mobilidade Urbana da Universidade Politécnica de Stuttgart. Em seguida, criamos uma MBA sobre mobilidade sustentável corporativa com a Escola de Negócios de Berlim. Depois passamos a atuar com as cidades, organizando missões técnicas e de cooperação que são referências mundiais em mobilidade urbana sustentável.
- Vocês perceberam que os impactos ambientais influíam negativamente nos negócios das empresas...
Sim, as cidades congestionam em função de duas origens de deslocamento: trabalho e educação. Isso coloca o setor empresarial como o principal indutor deste problema, que afeta todas as pessoas, mas traz prejuízos diretos para as empresas. Os impactos negativos na saúde das pessoas exigem medidas como a restrição a caminhões, e estima-se uma perda da produtividade de 30% aproximadamente, por causa do stress das horas paradas no trânsito; isso, sem contar os impactos sociais e ambientais.
- Quem são os clientes da Green Mobility? Cite alguns projetos que a empresa pretende realizar este ano?
Nossos clientes são empresas privadas e governos. Temos projetos nas áreas de inovação em sistemas de transportes, pesquisa e desenvolvimento de planos de mobilidade urbana. Por exemplo: o projeto de Vagas Verdes, enviado à Secretaria de Transportes de São Paulo, para incentivar o sistema de "carsharing", pelo qual um carro retira outros quinze das ruas. Propomos a alteração da lei de "Polos geradores de tráfego", com a co-responsabilidade entre empreendedor e comprador/locatário na mitigação dos impactos nos transportes. Temos um projeto de pesquisa e cooperação na área de "braking regenerative" (frenagem regenerativa), tecnologia para transformar a energia cinética (calor) da frenagem em energia elétrica, com recuperação de cerca de 20% da energia gasta em metrôs e ônibus elétricos híbridos. Assessoramos a prefeitura de Belém nas discussões sobre o BRT, e o governo da Holanda em projetos de cooperação para ITS (Intelligent Transport System) em São Paulo e Rio de Janeiro. Este ano queremos concluir um projeto de MBA em mobilidade corporativa sustentável com a Universidade de Stenbeis, em Berlim. Nossos planos para este ano são: duas missões técnicas: congresso mundial da rede Cities-for-Mobility, em Stuttgart, em junho, e missão de cooperação em Cingapura, Hangzou e Hong Kong. Por fim, estamos dando consultoria a empresas do segmento automotivo e construtoras, para desenvolvimento de estudos de impacto de empreendimentos no entorno.
- Que soluções de mobilidade têm sido desenvolvidas no mundo, que “deram certo”?
É preciso entender que mobilidade urbana não é como na engenharia, onde tudo está escrito nos livros... Muitas soluções são encontradas com criatividade, e cada cidade tem um desafio próprio. Importante é saber que para cada desafio existe uma solução, e na maioria dos casos é preciso ter pulso firme para adotá-la. As visitas técnicas que realizamos tendem a quebrar paradigmas e resistências. Secretários de transportes com experiência de anos, gabaritados, muitas vezes se surpreendem com projetos de mobilidade resolvidos de forma simples e corajosa.
- Quais países que visitou têm dado os melhores exemplos de mobilidade sustentável?
Como sou de São Paulo, geralmente busco projetos em grandes metrópoles. Mas também vou atrás de cases que possam ser aplicados em cidades pequenas e médias. Uma grande surpresa que tive foi nos Estados Unidos. Em geral, não é um país considerado em mesmo patamar da Europa quando se trata de soluções de mobilidade sustentável. Mas nossa delegação pôde ver como as cidades americanas têm mudado. É o caso de Boulder, no interior do estado do Colorado, cidadezinha menor do que o bairro da Penha em São Paulo. Um lugar absurdamente quente no verão e congelante no inverno. Pois eles conseguiram indicadores surpreendentes: com 100 mil residentes, têm de 120 mil empregos! Sucesso em grande parte devido à política de mobilidade ali implementada. Fazem do jeito deles: enquanto outras cidades querem concentrar, compactar as pessoas, eles buscam abrir, espalhar e desconcentrar, adotando uma política a que chamam “Open Space”. Por exemplo: todas as pessoas têm direito a enxergar as montanhas?; então não é permitido construir acima da maior copa de árvore da cidade. O transporte público atende a 98% da população e a cidade não quer atrair grandes indústrias, mas empresas (em geral de tecnologia) que permitam às pessoas trabalharem em casa. Dez mil cientistas trabalham produzindo inovações em diversas áreas. Conclusão: as melhores cidades são as que procuram ser amplamente sustentáveis, com projetos excelentes nas áreas de resíduos sólidos, energia, água e mobilidade urbana.
- Qual mensagem você gostaria de transmitir a cidades brasileiras, citando o caso de sucesso da cidade norte-americana Boulder?
No Brasil, 75% dos municípios têm até 20 mil habitantes, e concentram 39 milhões de pessoas. Apenas 0,2% dos municípios brasileiros possuem mais de 1 milhão de habitantes, onde vivem 29 milhões de pessoas. Ou seja, São Paulo não é o Brasil e não é modelo para as cidades brasileiras. Cidades consideradas de pequenas a médias poderiam estar trabalhando no caminho da sustentabilidade, tendo como exemplo a cidade de Boulder para prosperarem. São 50 mil habitantes, 40 mil residentes (10 mil cientistas e 30 estudantes da universidade do Colorado) e 120 mil empregos, o que dá a incrível marca de 2 empregos por habitante. E o mais incrível: sem nenhuma indústria. Mágica? Não, tem a ver com o planejamento urbano, a aposta numa mobilidade urbana sustentável, na qualidade de vida das pessoas e no incentivo ao "home work". Com isso, estão atraindo empresas do setor de inovação e alta tecnologia que não precisam estar em fábricas, mas em laboratórios, casas e ambiente "co-worker". Grande parte dos deslocamentos da cidade se apoia em uma sólida infra-estrutura de ciclovias, espaços para car sharing, bike sharing e um sistema de trânsito como nenhum outro nos EUA . Em Boulder, os moradores utilizam trem, ônibus, bicicleta e caminhadas com mais frequência do que a maioria das cidades americanas.
- Que soluções de mobilidade adotadas em nosso país foram estimuladas pela sua consultoria?
Desde 2007 a Green Mobility vem sustentando que as cidades e empresas podem ser mais sustentáveis quando a gestão passa a integrar a mobilidade corporativa ou urbana de forma estratégica. Não quer dizer maior investimento em um e outro modal, mas como os sistemas de transporte precisam estar conectados para que a população deles se beneficie. Os estudos que fazemos são para que tanto empresas quanto cidades possam ter programas alternativos de transporte. Em São Paulo, sempre tivemos espaço para opinar sobre temas como: ciclovias, ciclofaixas, criação de “vagas verdes” (que a prefeitura quer regulamentar juntamente com o serviço Car-Sharing, de aluguel de carros). Também estamos presentes nas discussões em defesa de benefícios fiscais para empresas que adotam programas de mitigação de CO2 pela racionalização do uso do carro particular. Somos um dos criadores da Pegada Berrini, que articulou a discussão do setor público, sociedade civil, ONGs e empresas em torno da melhoria da mobilidade urbana nessa região da capital paulista.
- Se você fosse prefeito de uma grande cidade brasileira, que ações adotaria para implementar uma mobilidade mais sustentável?
Prefeitos precisam ouvir seu secretariado, que é quem pode apontar as soluções que a cidade precisa. Como especialista em mobilidade urbana, poderia sugerir uma revisão do Plano Diretor, para mudar a forma como os Polos Geradores de Viagens (PGV) são calculados e até concebidos. E buscaria a confecção de um Plano de Mobilidade Urbana, caso a cidade não tivesse.
O governo Barack Obama criou uma instância para que os ministérios dos Transportes, Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano trabalhassem juntos na elaboração do “Liveable Cities” (cidades boas para se viver). É um esforço para desenvolver bairros mais acessíveis, onde as pessoas possam encontrar trabalho, educação e lazer não gastando mais do que 20 minutos a pé.
- Como avalia a proposta de pedágio urbano para o automóvel?
Acho mais do que oportuna a discussão sobre a tarifação do congestionamento. Na cidade de São Paulo, 34% da população andam a pé em distâncias que superam 15 minutos de caminhada. A maioria por não ter dinheiro para o transporte público. Outros 30% usam ônibus, e apenas uma minoria (28%) o carro. Então, a tese de que o “pedágio urbano” iria prejudicar os mais pobres é falsa. A classe média é contra o pedágio urbano por não se sentir responsável pelos congestionamentos. Por que os ônibus são demorados, lotados e ineficientes? Porque ficam muito tempo parados nos congestionamentos. Então, quem quiser ficar no congestionamento, piorando a vida na cidade, deve financiar o transporte não motorizado. Congestionamento precisa ser caracterizado como infração. Londres e Singapura adotaram a taxa de congestionamento, controversa no início. Mas, à medida que uma estrutura de transporte não motorizado foi sendo implantada na cidade, muitos migraram para meios alternativos de locomoção.
- Você está a caminho de um congresso em Belém (PA) que discutirá o BRT (Bus Rapid Transit). Esta solução é melhor do que o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos)?
Não é questão de opção. Como disse, cada cidade tem o seu desafio, que surge de um estudo profundo de suas demandas de mobilidade. Quem define é o Plano de Mobilidade, que constrói cenários baseados na macro e microeconomia; se o país cresce, a cidade tende a crescer também, altera a mobilidade. Estes cenários devem dar ao gestor a visão das obras prioritárias, dentro da capacidade de financiamento do município. O BRT transforma o sistema de ônibus num transporte de alta capacidade, com operação muito semelhante à do metrô, mas sem necessidade de desapropriação, buracos, grandes plataformas etc., e a um custo dez vezes menor. O BRT não vai substituir o metrô, que consegue maior eficiência por não ter semáforo e interseções. Já os VLTs são melhores quando projetados como alimentadores dos sistemas de BRT e do metrô. São um transporte de média capacidade, ideal para grandes centros, silencioso e não emissor de gases poluentes. Mas o VLT custa a metade do metrô e cinco vezes mais do que o BRT. Assim, talvez o custo seja o grande limitador desse meio de transporte no Brasil.
- Qual o principal fator de sucesso de uma empresa? Localização, fluxo de caixa, acesso ao mercado?
São fatores que vêm à mente de qualquer pessoa. Mas a cidade de Boulder pensa diferente. “Você já pensou como o transporte de seus funcionários afeta a linha de produção interna da sua empresa”?, anuncia o título de um folheto da cidade cujo foco são as empresas circunvizinhas. Ali, o sucesso dos negócios depende da acessibilidade dos funcionários ao trabalho. Empresas dos EUA, Canadá e Europa estão oferecendo opções de transporte de baixo custo porque entenderam que o trabalhador não consegue ser produtivo passando uma, duas ou três horas parado em congestionamentos. Acesso fácil, sem stress e congestionamentos, transporte de qualidade e baixo custo são um benefício ao funcionário, aliado ao benefício fiscal para as empresas.
- Podemos dizer que a Green Mobility é uma empresa focada na transferência de tecnologia em mobilidade?
Sim
- Na sua opinião, o que cidades brasileiras poderiam aprender com experiências de outros países em desenvolvimento ou, no máximo, "emergentes"?
Temos excelentes profissionais no Brasil, dos melhores do mundo. São Paulo é pioneira nos testes em ônibus com diesel de cana-de-açúcar 100% ecológico. Com poucos ajustes, pode ser utilizado em toda a frota da cidade. Os ônibus em Estocolmo rodam com etanol, tecnologia desenvolvida no Brasil. O BRT foi desenvolvido em Curitiba e os corredores de ônibus pioneiramente em São Paulo, nos anos 70. Porto Alegre investiu na integração da operação do seu sistema de trânsito; poucas cidades do mundo fizeram isso. Joinville, Sorocaba, Belém são cidades das bicicletas. O Rio tem investido muito em sistemas de operação inteligente. No entanto, estamos atrasados no planejamento a longo prazo (10, 20 e 30 anos), no direcionamento de sistemas de transportes mais eficientes, integração de ITS e investimento em inteligência. Coincidentemente os países emergentes sofrem com os mesmos problemas, no entanto, no campo do BRT, a América Latina tem conhecimento e experiência para ensinar ao mundo.
- Você mencionou que secretários de transportes com experiência de anos muitas vezes se surpreendem com projetos de mobilidade resolvidos de forma simples e corajosa. Pode dar algum exemplo de quando isto aconteceu?
O que quis dizer é que a Secretaria de Transportes deveria estimular um banco de ideias em seu portal - muitas vezes uma pequena ideia de um cidadão comum pode fazer a diferença. Exemplo: administrar um sistema de transportes de uma megacidade como São Paulo não é fácil, porque qualquer decisão, grande ou pequena, vai afetar a vida de milhões de cidadãos. Pessoas perdem a vida, economias fracassam, pessoas perdem o emprego, perdem o ônibus, respiram poluição... e a resposta normalmente vem demasiadamente tarde. Neste ambiente, um projeto simples como o “respeite o pedestre” pode salvar vidas. A alteração do ciclo semafórico em alguns pontos da cidade contribuíram para isso. Até pouco tempo nenhum carro parava na faixa sem semáforo; hoje dá até para arriscar (em alguns lugares). O projeto “passeio legal” das subprefeituras, que permite a empresas “adotarem uma çalçada” em troca de publicidade, poderia ter impacto grande para pedestres; as ciclorrota de Moema, que causou tanta discussão, mas foi feita...
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