A cidade que queremos

Há muito se procura a cidade compacta, a cidade humana, ou seja, a cidade que tudo oferece, a pouca distância de onde moramos. Leia artigo do professor da PUC/PR

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Fonte: Gazeta do Povo On-line  |  Autor: Clovis Ultramari*  |  Postado em: 26 de março de 2012

O arquiteto Clovis Ultramari

O arquiteto Clovis Ultramari

créditos: Divulgação


Desejamos uma cidade e permitimos que outra se implantasse, desejamos uma cidade, mas, no nosso íntimo, desejamos outra


Nos anos 1950 e 1960, a ativista Jane Jacobs alertava para a diferença entre crescimento e desenvolvimento. Para ela o primeiro indica uma simples ampliação da escala (a cidade que se verticaliza e se esparrama ao infinito), o segundo supõe uma mudança em relação ao estado anterior e por isso pode ser positivo. Com essa referência ela se opunha às vias expressas que então se implantavam na Nova York de então; com a mesma referência defendia a manutenção do ambiente de uma pequena e antiga cidade na área de Greenwich Village, apesar de inserida em Manhattan. Seu quase contemporâneo, o arquiteto Frank Lloyd Wright, e também considerado referência no exercício de se pensar a cidade, defendia uma ocupação urbana com 5 mil m² por família.



Em tal proposta, um pouco oposta à de densidade e diversidade defendida por Jane Jacobs, havia um modelo desejado de cidade que era a da pequena comunidade, quase um aglomerado rural. Essas eram as cidades que duas fortes referências intelectuais que nos ensinaram sobre a cidade que queremos. Curitiba, e outras grandes cidades brasileiras, também conheceram defensores da manutenção da história dos seus centros e a preservação de grandes áreas verdes no seu entorno. No caso específico de nossa cidade, insiste-se na conservação de nossos mananciais pinhaenses, piraquarienses, campinenses do sul, quatro barrenses, dentre outros, com uma desejada baixa densidade, uma paisagem interminável de chácaras de lazer sobre o chamado alto Rio Iguaçu.

No caso da Greenwich Village desejada por Jane Jacobs, com sua parcial manutenção, observou-se um encarecimento exacerbado dos imóveis aí localizados, convidando a população local a se retirar; no caso da defesa do tipo de ocupação defendido por Frank Lloyd Wright, reforçou-se o infinito subúrbio norte-americano que hoje se sustenta com o uso do automóvel individual, apenas, e a um alto custo ambiental. No caso dos mananciais de Curitiba, ou, por exemplo, de Guarapiranga em São Paulo, o sonho virou pesadelo: ao invés de uma baixa e ordenada ocupação, tem-se altas taxas de parcelamento que em nada contribuem para que continuemos a ter água em qualidade e quantidade necessárias. Errada a realidade ou irreal o desejo? Desejamos uma cidade, mas outros desejaram outra, desejamos uma cidade e permitimos que outra se implantasse, desejamos uma cidade, mas, no nosso íntimo, desejamos outra.


No caso dos grandes empreendimentos imobiliários que se tem visto nestes anos 2000 nas cidades brasileiras algumas vezes contam com uma escala de gigantismo chinês. Por que fazemos isso se não queremos?



Em São Paulo, anuncia-se a construção de um empreendimento com 32 torres, em área equivalente a 25 grandes quarteirões. Numa pesquisa sobre os maiores condomínios no Brasil, uma lista bastante grande indica exemplos de conjuntos com mais de 5 mil domicílios. Os mananciais estão ocupados, os metrôs lotados e os grandes condomínios vivenciando sucesso comercial com a conivência ou necessidade dos mesmos que sonham com uma cidade pequena, mas que tenha tudo que possamos comprar ou pelo menos que mostre, concretamente, aquilo que um dia acreditamos poder adquirir caso tenhamos recursos para tal.

O censo de 2010 revela que há um déficit habitacional no país de aproximadamente 7 milhões de casas. Ao mesmo tempo o número de imóveis utilizados como segunda residência (veraneio) cresceu 46% na década e hoje correspondem a quase 6% dos domicílios brasileiros. Ora, a fome por casas não é pequena e, portanto, nenhuma política habitacional pode ser singela. Do mesmo modo, dados da Associação Brasileira de Shopping Centers anunciam um 2012 com 12% de crescimento neste varejo, com a perspectiva de 73 novos estabelecimentos ainda este ano: tudo isso para responder a um número mensal que hoje é de 376 milhões de visitas!


Nada mais é pouca coisa. Que saudades da pequena loja da esquina! Se a saudade é verdadeira, é bom correr e se servir do pouco que resta. Caso contrário, a cidade que queremos não é a cidade que dizemos querer.



* Clovis Ultramari, arquiteto, é professor da PUCPR. Artigo publicado originalmente no jornal A Gazeta do Povo, de Curitiba. O texto integra uma rodada quinzenal de discussões sobre a cidade. Tema desta rodada: Grandes obras na cidade. Também integram o grupo os arquitetos Fabio Duarte, Irã Taborda Dudeque e Salvador Gnoato.

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