Para enfrentar metrô superlotado, passageiros viajam em sentido contrário

Submetidos à insana batalha diária por um lugar nas composições superlotadas, passageiros das linhas 1 e 2 do metrô cumprem agora uma segunda via crucis

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Fonte: O Globo  |  Autor: Laura Antunes  |  Postado em: 05 de março de 2012

Metrô lotado no Rio

Metrô lotado no Rio

créditos: Divulgação

A saída para um número crescente de usuários tem sido fazer um trecho do percurso na contramão de seus destinos finais. Para entender: quem embarca, por exemplo, de manhã na Pavuna (estação terminal da Linha 2) desce logo numa das cinco estações seguintes, onde atravessa a plataforma e entra em outro trem e retorna à Pavuna. A explicação: nesse percurso, na contramão do rush, a composição está mais vazia e é possível até encontrar assentos vagos. Na chegada à Pavuna, esses passageiros não desembarcam e continuam sentados - ou pelo menos em pé nas laterais -, enquanto a multidão, que já aguardava na plataforma, superlota o vagão em segundos.

 

Grande parte dos passageiros que embarcam nas estações seguintes (entre Engenheiro Rubens Paiva e Irajá) também passou a viajar primeiramente até a Pavuna, embora o destino final seja Centro ou Zona Sul.

 

Esse vaivém aumentou o tempo de viagem entre 30 e 40 minutos, como calcula a acompanhante hospitalar Elizete de Lima Bezerra, que faz o périplo diariamente:

- Já foi mais fácil. Antes de as pessoas descobrirem essa solução, eu descia apenas duas estações depois da Pavuna e pegava o trem de volta, já sentada. Agora, a gente tem que ir até Irajá (cinco estações depois) para ter chance de encontrar assento ou viajar em pé sem risco de ter um problema de coluna ou, pior, ser molestada, num vagão lotado, por algum passageiro inconveniente, pois o vagão feminino não é respeitado.

 

Domésticas saem de casa 3 horas antes

 

Elizete, que mora em São João de Meriti, vai de ônibus até a Estação Pavuna. Seu destino final é um hospital em Ipanema, onde trabalha a partir das 8h. Para isso, precisa sair de casa às 5h:

- Eu poderia sair às 6h se não precisasse ir até Irajá e voltar. Mas é muito sacrifício viajar direto entre a Pavuna e Botafogo (onde é feita a baldeação até Ipanema) espremida e torta.

 

Não é novidade que a correria diária para conseguir lugar nas composições provoca empurrões e tombos entre os passageiros. Mulheres, crianças e idosos não são poupados. A usuária Magda Vieira da Silva, outra a embarcar diariamente na Pavuna e "quicar" em Irajá, conta que as mulheres não viajam mais de rasteirinhas por segurança - para evitar terem os calçados pisados e caírem na disputa por um assento. Ela e outras passageiras chegam a tirar as sandálias para correr melhor. Mesmo assim, Magda já levou tombos e atualmente tem um hematoma no braço, adquirido ao levar uma cotovelada de um homem quando entrava numa composição.

 

As amigas Narjara da Silva Santos e Maria Silvina Torres também fazem parte da multidão de passageiros que embarca e volta à Pavuna. Elas optaram, porém, por descer na Estação Engenheiro Rubens Paiva (a segunda da Linha 2) e não em Irajá, para perder menos tempo no percurso casa-trabalho. Moradoras de Belford Roxo, Narjara e Maria trabalham como domésticas, respectivamente, em Ipanema e Copacabana, onde precisam estar às 7h. Saem de casa três horas antes.

 

- Se eu não pegar o primeiro trem da manhã na Pavuna, que sai às 5h e é o único a chegar vazio à estação, o meu dia já começa ruim porque as composições seguintes já vêm cheias. São pessoas que entram nas estações próximas e vão até a Pavuna, para de lá sair em direção à Zona Sul. Mas ir até Irajá me faz perder muito tempo. Então, salto logo após a Pavuna. Quando chego ao trabalho, já estou cansada e estressada. Sei que, na volta para casa, vou passar por novo sufoco - conta Narjara, acrescentando que coleciona tombos na tentativa de garantir um lugar.

 

Esse movimento no contrafluxo feito pelos passageiros começou na Linha 2, mas já ocorre também na Linha 1, nas composições entre Ipanema e Praça Saens Peña, das 17h às 20h. O comerciário Rogério Mendes de Souza adotou a estratégia há seis meses, cansado de embarcar na Estação Cardeal Arcoverde em vagões superlotados, com destino à Afonso Pena:

 

- Os trens já chegavam lotados. Algumas vezes, eu nem conseguia entrar. Então, passei a pegar as composições no sentido Ipanema. Lá, eu não desembarco do vagão e espero que ele faça a viagem para a Tijuca. As pessoas entram e eu já estou sentado.

 

Para a professora universitária Emília Fernandes - que mora em Ipanema e usa o metrô três vezes por semana para dar aula em Del Castilho -, a superlotação do metrô é uma tragédia anunciada. Ela conta ter presenciado recentemente um tumulto na Estação Del Castilho: passageiros em fúria quebraram os vidros de duas portas porque uma composição não abrira para embarque. O trem, de acordo com Emília, seguiu viagem mesmo assim:

 

- Não vejo seguranças do metrô nesses momentos de tumulto. As pessoas avançam em direção às portas, derrubando quem estiver na frente. Muitos caem no chão, o que, brevemente, pode resultar até em passageiros pisoteados, tamanha é a confusão. Acho que é apenas uma questão de tempo (para haver uma tragédia), se o sistema não melhorar.

 

O diretor de Engenharia da concessionária Metrô Rio, Gilbert Flores, admite que esse contrafluxo de passageiros ocorre já há algum tempo. O movimento no sistema está hoje em torno de 650 mil passageiros por dia útil (cerca de 400 mil passam pela Linha 2), mas a empresa não tem estimativa de quantos fazem o vaivém. Segundo Flores, ao contrário da Estação Botafogo (onde todos os passageiros têm de deixar as composições), na Pavuna isso não ocorre porque os trens não precisam passar por uma área de manobra.

 

Sobre o desconforto e até o risco de acidentes com os passageiros, o diretor garante que, a partir de setembro, os usuários começarão a perceber melhorias no serviço, com a entrada em operação, em agosto, do primeiro novo trem na Linha 2 (para 1.800 pessoas). Outros dois entram em operação até setembro. Até março de 2013, serão 19 novos trens no total na Linha 2 - que conta hoje com 20 composições (de seis carros cada).

 

- Nosso usuário terá uma percepção de melhoria do serviço já em setembro, quando a oferta de lugares aumentará em 10%, com a vantagem de que os novos trens têm ligação entre os carros, melhorando a circulação das pessoas. Com isso, a concentração de passageiros junto às portas diminuirá. Os novos carros também são equipados com ar-condicionado capaz de suportar o calor a céu aberto - explica ele.

 

Promessa de frota com 47 trens

 

A Linha 1 tem hoje em circulação 12 trens (com cinco carros). Flores acrescenta que, com a chegada dos 19 trens, o sistema ficará dividido da seguinte forma: 19 trens na Linha 1 e 28 na Linha 2. Todos equipados com seis carros. O metrô passará a contar com uma frota total de 47 composições.

 

Mesmo quando o trem não está lotado, os passageiros da Linha 2 sofrem com as altas temperaturas do verão. Da Pavuna à Central, as composições correm a céu aberto. O calor que começa nas plataformas - a maioria não é subterrânea e não tem ar-condicionado - aumenta dentro dos vagões, onde os usuários se valem de leques improvisados com jornais e revistas, toalhas e lenços.

 

Abanando-se com a mão desde a Estação Maria da Graça, Luana Cristina da Silva demonstrava insatisfação por ter que chegar à empresa de telemarketing onde trabalha, em Botafogo, com a roupa empapada de suor:

- Todo dia é isso, é horrível, revoltante. Nós somos trabalhadores, pegamos o metrô todo dia. Os turistas usam a Linha 1 e viajam no ar-condicionado.

 

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