Vai de bike?

Conheça as novas ciclofaixas de Curitiba (PR)

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Fonte: Revista Ideias  |  Autor: Marisol Vieira  |  Postado em: 29 de fevereiro de 2012

Curitibanos em ciclofaixa nova

Curitibanos em ciclofaixa nova

créditos: César Bustolin (SMCS)

A bicicleta virou tema político. A construção de algumas ciclofaixas na cidade, o movimento de grupos que atuam a favor da bicicleta como meio de transporte e especialistas emitem opinião em relação à prática cada vez mais comum nos países que pensam a cidade de modo mais inteligente e sustentável.

 

Os curitibanos que passaram pelo centro da cidade na manhã do dia 23 de outubro depararam-se com algo diferente – uma das pistas das ruas Marechal Deodoro, XV de Novembro, Mariano Torres, Emiliano Perneta, Visconde de Nácar e André de Barros estava pintada de vermelho. São as mais novas Ciclofaixas de Lazer de Curitiba. Estas ciclofaixas funcionam apenas em um domingo por mês, das 8 às 16 horas. Durante tais períodos, os motoristas não devem transitar sobre a pista vermelha, preferencial para os ciclistas.

 

Esta primeira etapa do Circuito das Ciclofaixas de Lazer, como é chamado o projeto pedagógico,tem quatro quilômetros de extensão e foi planejada e executada pela prefeitura. O controle das operações domingueiras é de responsabilidade da SMELJ (Secretaria Municipal do Esporte, Lazer e Juventude), e que por enquanto tem contado com o apoio da URBS (Urbanização de Curitiba) e da Diretran, visto que nestas operações são mobilizados agentes de trânsito para orientar ciclistas e motoristas.

 

Em novembro já começaram as obras de mais uma etapa do projeto, na Rua Marechal Floriano Peixoto (ao lado da canaleta do Expresso). Ela liga o Terminal do Carmo ao viaduto da Linha Verde, na antiga BR 116. São 4 km no sentido Bairro-Centro e mais 4 km no sentido Centro-Bairro. Segundo a prefeitura, neste ano a ciclofaixa será ampliada até a divisa com São José dos Pinhais, que será feita com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Copa.

 

Tudo muito bonito, tudo muito legal, porém, no dia da inauguração das ciclofaixas já houve protestos. A reclamação geral era que a faixa pintada em apenas quatro quilômetros e com horário restritivo de circulação não foi pensada para quem usa a bicicleta como meio de transporte. “Pareceu-me insuficiente, ainda mais por serem poucos os bairros que têm essas ciclofaixas”, opina o analista de sistemas Roger Reghin, 38 anos, que é motorista. Quanto a isso a prefeitura já adianta que o circuito e os dias de funcionamento dessas vias serão estendidos já no início de 2012.

 

Bicicletada

Mas os protestos em questão partiram de uma turma de ciclistas ativistas – a Bicicletada. Conhecidos por defenderem a causa da bicicleta em Curitiba e em outras capitais, eles têm suas reclamações a respeito deste novo projeto e querem ser ouvidos. Mais do que isso, querem ser levados a sério.

 

A Bicicletada é um movimento livre de organização horizontal, ou seja, sem líderes, inspirada na Critical Mass ou Massa Crítica, que tem por objetivo “situar o ciclista como parte da dinâmica da cidade”, de acordo com Guilherme Caldas, 38 anos, ilustrador e participante ativo do movimento. A frase “não estamos atrapalhando o trânsito, nós somos o trânsito” expressa bem sua filosofia. A Bicicletada reúne seus participantes uma vez ao mês em Curitiba, e eles percorrem um trajeto pela cidade como forma de divulgar a bike como meio de transporte. Outro objetivo deles é a luta pela criação de condições favoráveis a este modal. Por este motivo, eles se manifestaram contra a forma com que as ciclofaixas foram feitas. Mas não seria o caso de se comemorar uma vitória para os ciclistas? A Revista Ideias conversou com dois representantes ativos da Bicicletada para entender o motivo dos protestos.

 

Cicloativistas

Guilherme Caldas e Jorge Brand, mestre em filosofia e coordenador geral do Ciclo Iguaçu – Associação dos Ciclistas do Alto Iguaçu, afirmam que o grande problema das ciclofaixas, além do já comentado funcionamento limitado, é que os ciclistas não foram ouvidos no planejamento do projeto. Segundo eles, as associações contam com advogados, arquitetos, urbanistas e demais pessoas especialistas no tema transporte urbano que poderiam auxiliar e muito a prefeitura, o IPPUC e as secretarias municipais no projeto. Jorge Brand, mais conhecido como Goura, explicou que a associação inclusive colocou-se à disposição dos responsáveis pelas obras para tornar as ciclofaixas mais adequadas. Mais do que isso, a associação pediu para participar do projeto. E de acordo com os representantes do Ciclo Iguaçu, a solicitação não foi atendida.

 

Mas eles não se queixam totalmente da prefeitura, por exemplo. Dizem que o prefeito Luciano Ducci os ouviu e os atendeu sempre que possível. Contaram que em julho, a pedido da associação, ocorreu uma reunião entre eles, o prefeito, a URBS, o IPPUC, a Secretaria do Governo Municipal e a Secretaria Municipal de Esporte Lazer e Juventude (SMELJ). Na oportunidade foi mencionada a realização de uma ciclofaixa na Rua Cândido de Abreu, no Centro Cívico, trajeto considerado importante pelos ciclistas. Foi acordado também que a associação teria participação ativa no Plano Diretor Cicloviário.

 

Os representantes do Ciclo Iguaçu consideram que quem melhor pode ajudar a prefeitura nesse aspecto são os próprios ciclistas e usuários da malha cicloviária, e estes estavam até desenvolvendo de maneira voluntária uma pesquisa embasada para entregar aos órgãos competentes como forma de colaborar com a realização das ciclofaixas. Entretanto, os mesmos alegam que na prática não tiveram acesso às decisões e reuniões na SMELJ, e que as ciclofaixas foram feitas em trajeto diferente do combinado, sem consulta às associações ou ciclistas. Outra solicitação que informam não ter sido atendida é a campanha educativa de trânsito.

 

Quando as ciclofaixas foram inauguradas, os participantes do Ciclo Iguaçu e da Bicicletada realizaram então uma manifestação pacífica para protestar contra, principalmente, a bicicleta ainda estar sendo encarada como uma forma de lazer e esporte na cidade. Ter sido pintado o lado esquerdo da rua, funcionar apenas uma vez ao mês, ter seu trajeto limitado e considerado pouco útil para o dia a dia de quem a necessita, fez com que os ciclistas saíssem às ruas e fossem até a frente da casa do prefeito expressar suas opiniões.

 

Política Suprapartidária

Críticas aos protestos foram feitas, na qual se dizia que no evento foi citado o nome de Gustavo Fruet e que a Bicicletada seria um movimento partidário e com intenções políticas.

 

Contra este argumento, Goura e Guilherme Caldas informaram à Revista Ideias que o nome do candidato não foi citado em nenhum momento no protesto, entretanto, o Ciclo Iguaçu tem entrado em contato com pré-candidatos à prefeitura de Curitiba para realizar entrevistas com os mesmos e registrar em vídeo tudo o que pensam sobre as bicicletas como meio de transporte. Gustavo Fruet foi o único que, até o momento, atendeu à associação.

 

“Nós queremos que a causa da bicicleta em Curitiba seja uma política suprapartidária”, defende Goura. “A nossa causa necessita dos governantes para que seja concretizada. De nada adianta protestarmos se não levarmos soluções aos órgãos competentes. Precisamos fazer com que quem está no poder, independente de quem seja, entenda o quanto é importante investir – e acreditamos que financeiramente isso não represente uma quantia elevada – na cultura da bicicleta”. “A bicicleta é um vetor de melhoria da cidade. Cada bike é um carro a menos. E se a cidade der a estrutura, as pessoas vão utilizar, vão andar mais de bike se isso for mais seguro e viável”, completa Caldas.

 

Transporte ou lazer?

O fato é que, certos ou errados, os ciclistas engajados deram uma pressionada na prefeitura e isso surtiu efeito. Ducci informou que em janeiro de 2012 as ciclofaixas funcionariam todos os domingos, e que a medida foi adiantada de abril para janeiro atendendo às solicitações. O prefeito diz que isto só não foi realizado em 2011 por causa do calendário de eventos, o que poderia coincidir com o passeio dos ciclistas e gerar problemas.

 

Porém, de acordo com o IPPUC, não há como este Circuito Ciclofaixa de Lazer passar a ser permanente. “Uma coisa é este projeto pedagógico da prefeitura, onde é delimitado um espaço monitorado para ser utilizado em um dia e horário como forma de lazer. Outra coisa são as ciclofaixas utilitárias de infraestrutura para serem usadas todos os dias pelos ciclistas, que funcionam por si só e não necessitam de agentes de trânsito ou cones”, explica a coordenadora de mobilidade urbana do IPPUC, Maria Miranda. Por isso ela não acredita que exista a possibilidade de, com este projeto, atender às solicitações dos ciclistas do Alto Iguaçu, por exemplo.

 

A coordenadora informou ainda que em novembro seria divulgada a licitação referente ao projeto de ciclofaixas em Curitiba, e que o mesmo deve iniciar-se neste ano. “De qualquer forma, nós não entendemos que o Circuito de Lazer seja algo contrário às ciclofaixas de infraestrutura. É algo que se complementa, então não entendemos os motivos das manifestações”.

 

O IPPUC justifica que o trecho concluído ainda é pequeno, pois será analisada na prática a aceitação do Circuito Ciclofaixa e a partir dos resultados novas etapas serão realizadas. “Infelizmente não conseguimos ainda finalizar o projeto em sua totalidade, que seria de 15 km. Ele exige verbas, parcerias, equipe de assistência, etc. Por isso a SMELJ deve buscar parcerias na iniciativa privada neste ano para viabilizar que o Circuito Ciclofaixa de Lazer funcione todos os domingos”, confirma Maria.

 

Mas quando questionada sobre as pesquisas de campo feitas pelo Instituto para a realização dos projetos, a coordenadora de mobilidade disse que para esta etapa de lazer não houve, tinha-se apenas uma solicitação antiga dos ciclistas para que houvesse uma via próxima à canaleta da Marechal, e que tal obra foi iniciativa da prefeitura. Ela informa que o IPPUC está envolvido com o Plano Diretor Cicloviário e que existe uma pesquisa de 2008 que identifica o perfil do ciclista de Curitiba, e a partir destas informações a malha cicloviária está sendo construída, seja com ciclovias, ciclofaixas ou Circuitos de Lazer.

 

“Curitiba está num patamar desatualizado”, afirma o diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, Marcos Bicalho dos Santos. Some-se a isso o fato de o Rio de Janeiro ter sido apontado no 18º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito ocorrido em outubro como a cidade brasileira com o melhor indicador de mobilidade sustentável, desbancando justamente... Curitiba.

Cicloativistas Jorge Brand e Guilherme Caldas

Cicloativistas Jorge Brand e Guilherme Caldas

créditos: Divulgação

 

Um hábito, uma cultura

A grande questão é a mobilidade de Curitiba. Já se sabe que é uma das capitais com o maior número de carros por habitante (dois veículos a cada três pessoas), ou seja, o trânsito está cada vez pior. Quanto a isso a prefeitura obviamente tem tentado fazer algumas mudanças para melhorar o fluxo, com anéis viários, por exemplo, e proibindo estacionamento em algumas ruas do centro. Mas ainda se prega a cultura do carro, independente de quem seja o culpado. É fácil perceber que para o brasileiro ter carro é sinal de status e sinônimo de sucesso, crescimento. Em países de primeiro mundo isso já esta mudando há algum tempo.A outra opção para os curitibanos é o tão famoso transporte coletivo. Sim, temos uma boa estrutura disponível e inovações no assunto. Se comparada a outras cidades, Curitiba se destaca. Mas será que o que temos hoje é o suficiente para a população? Será que atende a demanda? O que não faltam são reclamações dos usuários, impreterivelmente. Ônibus lotados, atrasos, tarifa cara e falta de estrutura dos terminais, só para citar algumas.

 

O que resta é andar a pé, o que é uma ótima e saudável opção (mas quando a distância do destino aumenta, torna-se inviável), e de bicicleta. Acontece que um número ainda pequeno de curitibanos cogita a possibilidade de pedalar todos os dias, cerca de 5% da população. Podem alegar que não é seguro pelo fato de não ter estrutura e ter que disputar espaço em meio aos carros, mas as ciclovias, mesmo que compartilhadas com os pedestres, estão aí para serem usadas. Além disso, ciclistas experientes como o Caldas e o Goura dizem que se deve evitar ruas muito movimentadas e buscar rotas alternativas, com ruas paralelas que sejam mais seguras.

 

“Tem tanta gente nova e saudável que está andando de carro ou de ônibus, perdendo tempo e dinheiro enquanto poderia estar pedalando. É melhor para a cidade e para você mesmo. Sabemos que existem pessoas que não podem andar de bike, como idosos e pessoas doentes, por exemplo. Mas o restante parece que se acomodou e aceita passivamente ficar parado no trânsito ou esperando o ônibus pra depois andar espremidos. Vai pedalar! Experimenta!”, sugerem os dois.


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