Vá com os próprios pés... e de bicicleta, patim, skate ou patinete

Zé Lobo, da Transporte Ativo, fala nesta entrevista da importância da mobilidade sustentável na vida da cidade e das pessoas

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Regina Rocha  |  Postado em: 06 de fevereiro de 2012

Zé Lobo, da Transporte Ativo

Zé Lobo, da Transporte Ativo

créditos: Divulgação

Por oito anos à frente da ONG Transporte Ativo, o ciclista Zé Lobo persegue um sonho: o de ver o pleno reconhecimento, social e de governos, dos modos de transporte não motorizados, muito mais saudáveis e ideais para viagens de curta distância. Para atingir esse objetivo, a entidade realiza ações e estudos, contando sempre com muitas parcerias, colaboração e troca de informações. 


Como e quando surgiu a Transporte Ativo? Foi iniciativa sua?

A Transporte Ativo foi fundada em dezembro de 2003, por iniciativa minha e de outros ciclistas cariocas que já atuavam isoladamente promovendo o uso de bicicletas e tentando sensibilizar e conscientizar sobre os benefícios desse uso, para o cidadão, a cidade e o planeta. E também para preencher uma lacuna deixada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, que implantava infraestrutura cicloviária na cidade sem explicar à população as razões ou como deveriam ser usadas aquelas novas vias.

Sempre pedalei para ir aos mais diversos lugares, principalmente para deslocamentos no meu bairro e bairros vizinhos, mas também já fiz viagens de bicicleta e integração modal bicicleta-avião por diversas vezes.

 

Fale de seu interesse pelo tema da mobilidade urbana.

Meu interesse pela mobilidade urbana veio exatamente da imobilidade, da dificuldade de deslocamento numa cidade como o Rio. Daí a ideia de mostrar à população e à administração municipal que as viagens curtas, de até 5 km,  que representam a grande maioria das viagens motorizadas, poderiam muito bem ser feitas de bicicleta, a pé, de patins, skate, patinetes etc., e com uma eficiência muito superior à dos motorizados para estas distâncias. Isso, além de oferecerem algo maravilhoso que é o contato maior com a cidade e as pessoas que nela vivem.

 

Quantas pessoas, entre diretores, associados e demais participantes fazem parte da ONG? Quais os objetivos da entidade?

A diretoria é formada por quatro pessoas, que são as que realmente trabalham na associação. Mas temos por volta de 150 associados cadastrados, 30 voluntários dedicados e milhares de parceiros e colaboradores no Brasil e pelo mundo afora. Nossos principais objetivos são informar, conscientizar e sensibilizar sobre o transporte sustentável. Mostrar que outra mobilidade é possível e vem repleta de benefícios.

 

O site da TA diz que transporte ativo é aquele efetuado com “a força do corpo, sem auxílio de motores” (bicicletas, pedestres, triciclos...) Mas os transportes coletivos motorizados, como ônibus e trens, não seriam formas de mobilidade mais eficientes para o ambiente urbano?

Para longas distâncias sim, mas nenhum meio de transporte é mais eficiente para o ambiente urbano, em distâncias de até 5 km, do que as bicicletas. Os coletivos podem ser até mais rápidos ou transportarem mais pessoas, mas eficiência, porta a porta, é com a bicicleta mesmo! O ideal seria que viagens curtas fossem feitas a pé ou de bicicleta, e viagens longas integrando estes meios ao transporte público.

 

Qual o espaço para cada modal? Ou, como combinar e conciliar propulsão humana, transportes coletivo e individual (carros)?

Cada modal tem seu ponto forte, e o ideal é que possamos conhecer estes pontos para otimizar nossas viagens, utilizando o melhor modal para cada momento e fazendo conexões entre eles. Saber que meio de transporte é melhor para cada tipo de viagem melhoraria muito o trânsito e a saúde de nossas cidades. É claro que transporte público de qualidade também faz uma grande diferença para que se obtenha sucesso.

 

Na sua opinião, qual deve ser o lugar do automóvel na cidade? Carros elétricos e bicicletas elétricas seriam uma boa alternativa para o transporte individual?

O grande problema do transporte motorizado individual (carros) é seu uso indiscriminado e além dos limites de segurança desejados. Os carros elétricos apenas substituem a fonte de energia utilizada, mantendo todos os demais problemas de ocupação de espaço e acidentes. Já no caso das bicicletas elétricas, elas ajudam em muito a equacionar o problema da ocupação do espaço urbano e podem ser uma boa forma para se experimentar algo novo, fora do automóvel particular.

 

Para caminhar, boas calçadas; para pedalar, ciclovias e ciclofaixas. O que falta para tornar as cidades brasileiras um espaço do e para o ser humano? Chegaremos lá?

Educação é a palavra-chave. Havendo educação todos podem conviver em harmonia e as infraestruturas, principalmente as segregadas, deixam até de ter tanta importância, vide os Shared Spaces de Hans Monderman (engenheiro de tráfego holandês, idealizador da proposta de 'tráfego compartilhado'). Em 2010 fui a Copenhague para conhecer a mágica da infraestrutura local que torna possível que metade das viagens realizadas na cidade sejam feitas em bicicleta e, para minha surpresa, o segredo estava na educação e respeito ao próximo - e não na infraestrutura. Chegaremos lá! Mas há um longo caminho pela frente, não menos que uma década!

 

Que ações defendidas pela TA tiveram êxito? Fale das lutas movidas pela entidade. Qual o relacionamento da TA com órgãos públicos como prefeitura etc.?

A TA tem como foco apresentar soluções de forma colaborativa. Então, não encaramos nosso trabalho como luta, mas como um caminho a ser percorrido, com muitas parcerias, colaboração e troca de informações. Tudo em busca de um objetivo: promover o uso das bicicletas e similares.

Muitas de nossas atividades e iniciativas tiveram êxito algumas vezes superior ao esperado, como o  e 2º Desafio Intermodal, com informações frescas e claras sobre a mobilidade de cada cidade, e a Vaga Viva. Hoje estas duas ações acontecem em várias partes do país.

As contagens de ciclistas que resultaram em novas infraestruturas e manuais em três línguas, o curso Introdução ao Mundo Cicloviário, que após o sucesso em terras cariocas, foi à capital paulista, onde treinamos mais de 300 profissionais. A organização holandesa ICE – Interface for Cycling Expertise financiou a realização de um treinamento para que outras organizações pudessem replicar o curso em suas cidades, e o treinamento se realizou durante o primeiro Bicicultura Brasil em 2008 em Brasília com a presença de importantes organizações pró bicicleta do país, e em seguida fomos à Holanda onde ministramos o treinamento para onze organizações de nove países de três continentes.

Estes resultados nos dão ainda mais força para seguir adiante, sempre buscando formas de participação colaborativa, o que nos levou a ter uma parceria sólida com governos municipal e estadual com os quais temos um relacionamento de colaboração extremamente positivo, que levam a resultados também positivos.

 

Sedentarismo, individualismo, falta de tempo; o modo de vida atual direcionou o esforço físico para o espaço de academias, férias ou finais de semana. Como promover uma mudança de costumes que leve à opção por um transporte ativo?

O modo de vida atual está em xeque, se não mudarmos não iremos muito longe. É como optar entre o carro e a bicicleta na hora do rush. Mais uma vez o que fará a diferença será a educação e conscientização, e isso deve começar desde cedo com as crianças. Fazendo um bom trabalho nesta base, quem sabe num futuro próximo teremos cidades e ruas mais humanas, com foco na mobilidade geral e nas pessoas, deixando de lado o fluxo automobilístico tão venerado no século passado e ainda hoje.

Com a mobilidade saudável, o sedentarismo dará espaço aos deslocamentos ativos no dia a dia. E isso fará uma diferença marcante na qualidade de vida da cidade e do cidadão. Há gráficos que mostram a redução da obesidade em países com maior deslocamentos por bicicleta.

 

Fale do interessante estudo desenvolvido pela TA sobre entregas feitas por bicicleta em Copacabana.

Sim, fomos fomos às ruas tentar desvendar um dos fatos do dia a dia que passam despercebidos da população e do poder público, que é o mundo das entregas por bicicleta. Descobrimos que apenas no bairro de Copacabana, local da pesquisa, são realizadas diariamente mais de 11,5 mil entregas por bicicleta, o que representa, entre idas e voltas, mais de 23 mil viagens/dia, com redução importante de emissões de poluentes, ocupação do espaço, ruídos e acidentes. Levantamos dados bem interessantes, como que aproximadamente 120 animais domésticos são transportados diariamente por bicicletas; que alguns triciclos chegam a circular com mais de 300 kg de carga; e que 95% dos estabelecimentos que fazem entregas por bicicletas atuam num raio de até 3 km. Esta pesquisa está disponível no Mobilize Brasil.

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