Representantes de candidatos à presidência da República debateram nesta quarta-feira (1) planos e propostas para a priorização do transporte público no país, no seminário 'E agora, Brasil?', realizado pelo jornal Folha de S. Paulo. O evento ocorreu durante a Lat.Bus – Feira Latino-Americana do Transporte, na capital paulista.
A importância de receitas extratarifárias para o custeio do transporte público foi consenso entre as candidaturas — atualmente, em Belo Horizonte e outras cidades do país, como Rio de Janeiro, o serviço é financiado apenas pela passagem paga pelo usuário. Uma das medidas defendidas é a adoção da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 159/ 2007, conhecida como “Cide Verde”, que permite que os municípios instituam uma cobrança sobre a venda de combustíveis para financiar o transporte coletivo.
O presidente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Otávio Cunha, falou sobre as contribuições do transporte público para a mobilidade urbana e os desafios do setor, que registrou queda de 25% no número de passageiros nos últimos quatro anos, por motivos diversos: desde os impactos da crise econômica, como o desemprego, até a falta de qualidade do serviço e o encarecimento da tarifa.
“Os automóveis ocupam 75% do espaço viário urbano e transportam 20% das pessoas. Os ônibus ocupam 20% do espaço viário e transportam 70% das pessoas nos grandes centros”, afirmou Cunha, ressaltando que investir em transporte público significa redução de acidentes e, consequentemente, de gastos com a saúde pública — entre as ocorrências com mortes no país, 66% são causadas por automóveis e motos, enquanto os ônibus contribuem com menos de 1%.
A NTU entregou às candidaturas propostas de melhorias do transporte público, baseadas em seis programa de ações: a qualificação da infraestrutura do setor, com a implantação de 10 mil km de corredores ou faixas exclusivas em 111 cidades brasileiras; o estabelecimento de padrões de qualidade na prestação do serviço pelos operadores, que devem oferecer, por exemplo, ônibus mais limpos e seguros e quadro de horários confiável; transporte como instrumento de desenvolvimento social, que passa por recuperar usuários excluídos do sistema, por meio de revisão tarifária; transparência de custos e receitas do serviço; custeio do transporte público de com receitas extratarifárias; e segurança de contratos e editais de concessão.
As propostas dos partidos
O primeiro a falar no debate foi o representante da candidatura de Lula (PT), Jilmar Tatto, que afirmou que “assina embaixo as propostas da NTU”. Segundo ele, é preciso recuperar os empregos e a indústria brasileira para garantir a volta dos passageiros para o transporte público. Além disso, propôs investimentos em VLTs, trens e metrôs, corredores pra ônibus e no uso de bicicletas.
Tatto também defendeu a expansão de parcerias com o setor privado, por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs), e a articulação de diferentes modais de transporte. Ele também sugeriu utilizar 10% do Fundo Soberano para investir em infraestrutura de transporte como forma de alavancar a economia. “Estamos estudando com muito carinho a Cide, que é o transporte individual financiar o coletivo”, declarou.
O representante da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB), Jurandir Fernandes, disse que é importante explorar a chamada Quarta Revolução Industrial, caracterizada pela convergência das mídias digitais, no transporte e fortalecer a segurança jurídica dos contratos para atrair investimentos.
Ele defendeu também o investimento em BRTs e transporte sobre trilhos e a ideia de que o financiamento do custo do serviço deve buscar receitas extratarifárias. “A Cide, por mais que se olhe para ela como mais um imposto, é deflacionária, porque o que ela agrega de valores sobre o uso do combustível tira de valor quando abaixa o valor da tarifa”, pontuou. Por fim, ele propôs o encarecimento do transporte individual como forma de desestimular o uso e incentivar o coletivo.
Já o representante da candidata do PCdoB, Manuela Dávila, Wagner Fajardo, ressaltou a importância de o governo federal promover articulação com Estados e municípios, e a necessidade de planejamento da mobilidade das regiões metropolitanas.
Segundo ele, é preciso tornar o transporte público, de fato, um direito social, por meio de subsídios como a Cide, taxação de meios individuais e criação de um fundo nacional. “A consideração de que transporte público é um direito social é um preceito constitucional. Ele precisa ser garantido a todos, tem que ser universal, e não só a consegue pagar a tarifa”.
Por fim, o representante do candidato Henrique Meirelles, Tarcísio Gomes de Freitas, declarou que a mobilidade tem que ser encarada como parte da política de desenvolvimento urbano e ser planejada de forma integrada com habitação, saneamento e equipamentos urbanos.
Ele salientou que o papel da União é de articulação com outras esferas de governo, como Estados e municípios, e mostrou apoio à implantação de corredores de ônibus, BRTs, sistemas interligados de transporte e projetos metroviários. Freitas apontou que é importante estimular projetos de PPPs e defendeu o desestímulo ao transporte individual e o subsídio de tarifas, por meio de políticas como Cide e taxação de estacionamento.
Gratuidade da tarifa provoca discussão
A gratuidade da tarifa para estudantes e idosos provocou divergências no debate. Segundo Otávio Cunha, presidente da NTU, as gratuidades oneram em 17% o custo do transporte. “Hoje passageiro faz política social para o governo nas áreas de educação e assistência social”, afirmou. De acordo com ele, a associação não é contrária ao benefício, mas defende que ele seja custeado de outra forma, e não arcado pelo usuário.
Wagner Fajardo, representante da candidatura de Manuela D’Ávila, pontuou que a gratuidade é um direito conquistado. “Temos que viabilizar sua ampliação e buscar financiamento. Não pode jogar para a tarifa essa questão”, afirmou.
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