Obras em Teresina "roubam" 25% do espaço de ciclovias

intervenções para obra do corredor de BRT na capital do Piauí reduzem malha cicloviária em cerca de 10 km, aponta levantamento da União dos Ciclistas do Brasil

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Fonte: Portal O Dia  |  Autor: Glenda Uchôa/ Portal O Dia  |  Postado em: 31 de maio de 2018

"Somos esquecidos pelo poder público", diz Carlos Augusto

créditos: Jailson Soares /O Dia


Aos 66 anos, o ciclista Carlos Augusto traz na memória uma cidade que viu mudar e se expandir. Enquanto pedalava por Teresina, ele sempre pôde facilmente notar a nova via que surgia, a avenida que era pavimentada ou ia sendo construída nas diferentes zonas da capital. Essa experiência de transitar de bicicleta pela cidade, o faz afirmar com convicção: “Como ciclistas, somos esquecidos pelo poder público”, avalia. A impressão desse senhor agora é comprovada pelos números.

 

Até ano passado Teresina tinha pouco mais de 40 km de malha cicloviária - entre ciclovias e ciclofaixas. Depois disso, por conta das recentes intervenções para a implementação do novo sistema de transporte público urbano da capital, o BRT Inthegra, cerca de 25% de sua estrutura cicloviária foi extinta.

 

Essa redução de espaços se deve ao estreitamento em cerca de 10 km de ciclovias existentes nas Avenidas Presidente Kennedy, na zona Leste da capital, e Miguel Rosa, na zona Sul, para dar lugar aos corredores exclusivos de ônibus (BRTs). Os dados são do levantamento realizado pelo arquiteto, Luan Rusvell, que é membro da União de Ciclistas do Brasil (UCB).

 

Outro grande prejuízo que se soma a esta realidade foi a retirada total da ciclovia na Avenida Duque de Caxias, zona Norte de Teresina, uma das principais rotas de circulação dos que utilizam o transporte não motorizado na capital.

 

“Desde criança ando em Teresina de bicicleta e sempre vejo que as mudanças nunca vêm para melhorar a realidade do ciclista. Estamos sempre expostos e, agora, com ciclovias que disputam lugar com pedestres, árvores e postes”, destaca o aposentado Carlos Augusto.

 

Desde 2015 a Prefeitura de Teresina conta com um Plano Diretor Cicloviário que aponta diretrizes para as políticas públicas na cidade. Entre os aspectos destacados estão a prioridade no sistema viário para modos de transporte movidos a propulsão humana (seguido pelo transporte coletivo e, por último, pelo transporte individual motorizado).

 


Foto: Jailson Soares/O Dia

 

O documento também aponta que o investimento nesse setor é uma forma de reduzir desigualdades e promover a inclusão social, equidade no uso do espaço público de circulação, além da integração entre os modos e serviços de transporte urbanos.

 

Em um período de crise de combustíveis, parece lógico pensar na discussão de outras formas de transporte nas áreas urbanas. As ciclovias, que foram negligenciadas nos projetos de intervenções urbanas como o do BRT, agora se mostram como opção viável para a promoção de um transporte sustentável e socialmente positivo.

 

Ciclistas relatam insegurança

Luis Cláudio é pai de três fi­lhas e se esforça para participar das atividades da vida diária de todas. É dele a responsabili­dade, por exemplo, de sempre deixar duas delas na escola: a Jordânia, de 9 anos, e Bianca, de 12. Para fazer isso, Luis usa seu meio oficial de loco­moção: a bicicleta. Como pai, trabalhador e usuário de um veículo não motorizado, ele fala do medo que grande par­te dos ciclistas também apon­ta: a insegurança no trânsito.

 

A sensação, segundo os ciclistas, é de estarem expostos dentro da malha viá­ria da cidade. Isso porque nem todas as zonas de Teresina têm ciclovias ou ciclofaixas, o que faz com que muitos dos que usam a bicicleta tenham de disputar espaços nas vias com carros e motocicletas.

 

“Pensaram nas paradas e es­queceram os ciclistas. É claro que ter um transporte público que funcione é muito impor­tante, mas nós não poderíamos ser negligenciados. A bicicleta é um meio que promove a saúde da população e não é in­centivada dentro do arranjo da cidade”, destaca Luis Cláudio.

 

"Transporte público é impor­tante, mas não deviam nos negligenciar", diz Luís Cláudio. Foto: Jailson Soares/O Dia

 

Ele costuma percorrer cerca de 20 km, diariamen­te, de bicicleta. Ao transportar as filhas, o cuida­do é redobrado, mas mesmo assim situações de risco são comuns no cotidiano da famí­lia. “Vamos do Parque Piauí ao bairro Três Andares e o cui­dado é enorme, mas estamos expostos. Nas ciclovias que existem, temos que disputar o lugar com pedestres, árvores, postes, e elas não estão interli­gadas”, acusa.

 

Os apontamentos de Luis também são compartilhados por Altemar Dutra, que não se sente seguro dentro da malha viária da capital. Para ele, pou­co adianta utilizar as ciclovias, já que para chegar ao centro da cidade, seu objetivo diário, ele sempre tem de sair do local destinado aos ciclistas.

 

“As ciclovias vão se compli­cando no percurso. Em algu­mas partes, ainda tem material da construção dos terminais que inviabiliza nossa passa­gem. É hora de ter mais aten­ção para quem anda de bicicle­ta em Teresina”, solicita.

 

Novas ciclofaixas estão em locais desertos, diz ciclista

Os ciclistas que residem no bairro Primavera, zona Nor­te de Teresina, e precisam se deslocar para o Centro, por exemplo, costumavam passar pela Avenida Duque de Ca­xias, e utilizar as ciclovias ao longo de toda a via. Contudo, desde que foram iniciadas as obras de construção do corre­dor exclusivo do novo sistema de integração de transporte público da região, essas vias destinadas aos ciclistas foram extintas.

 

Quem precisa transitar to­dos os dias pelo local sente a dificuldade que é dividir o espaço na avenida com carros, motocicletas e ônibus. Jairo Paulo Araújo dos Santos (30) passa pela via praticamente todos os dias e enfatiza que o passeio exclusivo para os ci­clistas era o principal meio de locomoção para quem faz uso desse transporte.

 

Foto: Jailson Soares/O Dia

 

“Eu me sentia mais seguro andando pela ciclovia, porque a gente não tinha que ficar se preocupando com os carros, mas agora que tiraram ficou muito ruim, porque temos que desviar dos veículos e é perigoso. Colocaram as faixas de ciclistas em outras mais para dentro do bairro [aveni­das Roraima e União], mas essa é o nosso caminho prin­cipal”, comenta.

 

Ele enfatiza que mudar a rota das pessoas não é mui­to favorável, sobretudo para vias com pouca movimenta­ção de pedestres e veículos, sujeitando os ciclistas a ris­cos como assaltos. “O cor­reto mesmo é a gente pegar a avenida principal, que é a que a gente usa todo dia, desde sempre. Mas eles tira­ram esse privilégio da gente. Eu mesmo não vou deixar de andar pela avenida que sem­pre ando para ir por outra mais longe e mais perigosa”, diz.

 

O autônomo Josimar Go­mes, de 50 anos, reside no bairro Mocambinho e também passa pelo local diariamente. Ele diz que a ciclovia era bas­tante utilizada e os usuários foram muito prejudicados, beneficiando apenas os moto­ristas. E acres­centa que tem receio de andar na mesma via que os carros, mas prefere se arriscar do que ir para outras ruas menos movimentadas.

 

 Foto: Jailson Soares/O Dia

 

O que diz a Prefeitura

A Superintendên­cia Municipal de Transporte e Trânsito (Strans) não respondeu a todas as questões levantadas na reportagem. Em nota, apenas informou que as ciclovias da Avenida Duque de Caxias foram transferidas para as ruas perpendiculares por conta da implantação do Corredor Norte e que faixas estão sendo pintadas com for­ma de orientar os ciclistas.

 

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