Outro dia me deparei com a divulgação de uma atividade realizada pelo Instituto Corrida Amiga, uma ONG que estimula as pessoas a assumirem a caminhada e a corrida como deslocamento cotidiano ou “trocar o carro pelo tênis” como eles definem o maravilhoso trabalho que realizam.
Esta atividade, com crianças das regiões centrais da cidade de São Paulo, consistiu em fazê-las caminhar até a estação de metrô mais próxima e utilizar o metrô. Na atividade seria estimulado o olhar para a cidade e a conscientização sobre a importância do andar a pé e usar o transporte público. Ou seja, mostrar que há vida fora da “caixinha”.
Crianças fazem um "Bonde a Pé" e brincam em paraciclos na região da Sé, em São Paulo Foto: Instituto Corridaamiga
Hoje, nessas regiões se vê pouca criança andando nas ruas, ainda mais desacompanhadas. Brincando, então, nem se fala. Hoje a vida se processa dentro de caixinhas: a caixinha de morar, a caixinha de estudar, a caixinha de passear e para conectar todas elas, a caixinha de se deslocar, o carro. Assim andar a pé e depois pegar metrô virou um programão para a criançada que vive nesse mundo de caixinhas.
Isso remete à época quando ainda não se vivia em caixinhas. Crianças iam sozinhas à escola e se precisassem pegar condução faziam isso também sozinhas, ensinadas e estimuladas pela família. Era comum ter amiguinhos no bonde e no ônibus. Claro que já havia ônibus e perua escolares, mas a maioria ia de transporte comum mesmo.
O processo de descoberta da cidade no caminho para a escola era o melhor, mesmo repetido todos os dias: conversar com o pipoqueiro, provocar o cachorro da casa de portão alto, ver as estações do ano na copa das árvores, até se chegar ao destino tinha muita coisa para ver e fazer.
Anos mais tarde, já mãe, achei que valia a pena repetir a experiência com meu filho de 11 anos. Iria para a escola no ônibus de linha. De cara descartamos o transporte escolar, porque além de caro passaria muito cedo para pegá-lo e o deixaria muito tarde. A “aventura” do ônibus seria só na ida, no início da tarde, com o ônibus vazio que passava perto de casa. Era um percurso longo, mas tranqüilo e seria uma boa oportunidade para o aprendizado da autonomia e da vida em cidade.
Assim que colocada em prática, minha atitude foi taxada de louca e leviana. Achavam absurdo criança em ônibus comum. Também fui chamada pela direção da escola e “convidada” a repensar a forma escolhida para meu filho se deslocar, pelo “perigo” que representava.
Para meu filho foi ótimo, adquiriu desembaraço e independência. Nas férias conseguia sair da área de lazer do prédio onde morávamos porque pegava ônibus. E animava a criançada de lá a ir junto com ele, para desespero das mães. Essa experiência certamente o ajudou muito a ser a pessoa independente que é hoje, se vira muito bem sem carro.
Para terminar esta história, algumas perguntas:
# Como o cotidiano das pessoas passou a transcorrer em caixinhas e a depender delas?
# Quando e por que, exatamente, se achou que espaço e transporte públicos não podiam ser utilizados fora de caixinhas?
# Porque não se buscou solucionar isso ao invés de se recorrer à vida de caixinhas?
# Será que um dia as pessoas conseguirão sair das caixinhas?
# E, finalmente, será que caixinhas sairão das pessoas?
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