Há cinco anos, o Comitê de Promoção da Virtude e Prevenção do Vício – ou a “polícia religiosa” – da Arábia Saudita lançou uma fátua (pronunciamento legal no Islã) que permitia que as mulheres andassem de bicicleta sob certas condições. Mas isso não mudou o jeito como a sociedade em geral tratava garotas que queriam andar de bike.
Em seu filme de 2012, O Show de Wadjada, a roteirista e diretora saudita Haifaa al-Mansour conta a história de uma menina que sonha em ter uma bicicleta, mas sua comunidade insiste que bike é coisa de menino. Não só isso – ela precisa ouvir histórias de como andar de bicicleta deixa as garotas inférteis; como ela nunca vai conseguir casar ou ter filhos se continuar com essa intenção.
Crescendo em Jidá, uma cidade portuária no Mar Vermelho, Nadima Abul-Enein ouviu as mesmas histórias quando dizia que queria andar de bicicleta. Mas, com o apoio da família, a jovem de 18 anos começou o primeiro clube de ciclistas só para mulheres da Arábia Saudita, o Bisklita.
“Quando era criança, eu andava de bicicleta pelo meu bairro, mas me disseram para parar quando fiquei mais velha por causa da pressão social negativa”, ela conta. “Mas minha mãe e minha irmã me encorajaram a voltar. Quando voltei a andar de bicicleta, comecei a postar fotos dos meus passeios no Instagram. Fiquei chocada quando muitas, muitas mulheres sauditas entraram em contato dizendo que queriam andar de bicicleta comigo. Foi quando decidi começar um clube amador de ciclistas para garotas.”
Isso foi em 2015, e o clube só cresceu desde então. “Nossa equipe começou com apenas seis membros – minha mãe, quatro amigas e eu”, ela me disse. “Agora somos mais de 500 ciclistas de todas as idades e origens. Temos adolescentes, mães e mulheres com deficiências físicas. Todas as mulheres são bem-vindas.”
Quando não está indo ou voltando de bicicleta da escola, Nadima quase sempre está praticando esportes. Ela adora nadar e correr, e trabalha como treinadora para a Associação de Escalada Saudita – a primeira organização de escalada do país. No futuro, ela espera expandir o clube para outras cidades do país, depois competir em torneios internacionais.
Recomendações
Segundo a fátua de 2013, a polícia religiosa diz que não vê problemas em mulheres irem de bicicleta ou moto para onde quiserem, “desde que estejam vestidas modestamente” e não usem isso como desculpa para tirar suas abaias – as longas vestimentas que as mulheres da região usam. O governo também recomenda que as mulheres andem de bicicleta na companhia de um mahram – marido, pai ou irmão – e evitem áreas onde homens jovens se encontram para não “provocar” assédio.
A ideia de andar de bicicleta sob supervisão de um homem não caiu bem. Muitas mulheres do país foram até as redes sociais para comentar como a sugestão era ridícula. O designer gráfico Mohammed Sharaf ilustrou o absurdo da ideia na imagem “Segundo a Lei”, onde zomba da ideia de um mahram pegando carona com uma mulher numa bicicleta. Veja abaixo:
'Segundo a Lei', ilustração de Mohammed Sharaf
As mulheres do Bisklita, disse Nadima, não andam por aí acompanhadas por um mahram. “Quando começamos a andar de bicicleta por Jidá, as pessoas não conseguiam acreditar no que estavam vendo”, ela lembra. “Honestamente, foi bem difícil no começo – estranhos gritavam e jogavam coisas na gente. Mas as pessoas foram se acostumando a nos ver na rua, e a cidade foi nos dando mais apoio.”
Apesar do progresso, a equipe ainda encontra alguns bloqueios nas ruas. “Nos pararam recentemente num posto de controle da polícia e disseram que precisávamos de uma permissão, mesmo não sendo obrigatório pela lei”, diz Nadima. “Então inscrevemos a Equipe Bisklita na Federação de Ciclistas da Arábia Saudita.”
Apoio real
Nadima conseguiu garantir apoio do alto escalão para sua causa. A Princesa Reema bint Bandar Al Saud, chefe da Autoridade de Esportes Femininos Saudita, vem defendendo a importância de uma maior abertura para mulheres nos esportes na região e apoiou o Bicklita quando elas precisaram de ajuda.
“Depois que fomos impedidas de andar de bicicleta em certas áreas sem permissão, procuramos a Princesa Reema, que nos ajudou a conseguir vagas semanais para treinar no estádio Rei Abdullah na cidade”, diz Nadima. “Assim sempre temos um lugar para nos encontrar e treinar enquanto esperamos que nossa inscrição seja aprovada.”
Dentro do estádio Rei Abdullah, Nadima já montou até seu próprio negócio – uma loja chamada Pisklita que vende abaias especiais para andar de bicicleta. “Agora nos encontramos no estádio duas vezes por semana – nos domingos para iniciantes e nas terças para ciclistas mais avançadas”, ela diz. “Nos garantiram que logo nossa inscrição será aprovada, e vamos poder andar de bicicleta onde quisermos.”
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