Em carta aberta divulgada em 18 de abril, as entidades Ciclocidade e Cidadeapé, que atuam respectivamente na promoção do uso da bicicleta e dos deslocamentos de pedestres, apresentaram ao prefeito Bruno Covas (PSDB) apontamentos sobre a situação atual dos ciclistas e pedestres na cidade. O texto completo pode ser lido no site da Ciclocidade, a Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo.
Na carta, as organizações lembram as obrigações da prefeitura definidas pelo governo federal:
“Além de o Código de Trânsito Brasileiro reconhecer a prioridade para pedestres e ciclistas, o Brasil tem outros importantes marcos legais, como Estatuto das Cidades (2003), Política Nacional sobre Mudança do Clima (2009) e Política Nacional de Mobilidade Urbana (2012), que buscam construir cidades mais sustentáveis e saudáveis, e orientar o crescimento urbano.”
Também são citadas a necessidade de se seguir as políticas públicas estabelecidas pela própria prefeitura: “No âmbito municipal, existem o Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob) e o Plano Diretor Estratégico (PDE), ambos construídos com intensa participação popular e com base em diretrizes nacionais e internacionais de desenvolvimento urbano.” As propostas do PlanMob foram comentadas em 2016 por este blog nesse link.
O texto também cobra uma transformação das políticas municipais que privilegiam motoristas: “Isso exige uma mudança da priorização dos gastos orçamentários, que ainda privilegiam a manutenção da estrutura viária para veículos em detrimento das próprias calçadas e travessias.”
Além disso, defende o planejamento cicloviário da cidade, que tem suas origens em estudos da CET da década de 1980: “O planejamento está refletido no próprio PlanMob e entendemos que as críticas à malha cicloviária precisam ser qualificadas e construtivas em vez de colocar em xeque toda a política pública de expansão dessas estruturas, que salvam vidas.” A explicação rebate a declaração do prefeito Bruno Covas (PSDB) de que as ciclovias da cidade foram lançadas de forma aleatória como orégano em pizza.
Por fim, as entidades reafirmam o compromisso com a defesa dos mais vulneráveis nas vias da cidade: “Seguiremos com nossa postura propositiva no sentido de construir e contribuir para políticas públicas de mobilidade que priorizem a vida das pessoas.”
Leia o texto completo:
São Paulo, 18 de abril de 2018.
Exmo. Prefeito Bruno Covas,
Nós, da Ciclocidade e da Cidadeapé, gostaríamos de dar-lhe as boas vindas à administração e aproveitar para chamar sua atenção para uma das pautas mais importantes de São Paulo: a mobilidade ativa. Sua gestão tem a oportunidade de colocar-se ao lado da maior parte dos paulistanos, aqueles que andam a pé ou usam a bicicleta para se locomover. Pedestres e ciclistas representam cerca de 40% dos deslocamentos, são as maiores vítimas da violência no trânsito e ainda preteridos no planejamento urbano.
Encontrar caminhos para um trânsito mais seguro é um desafio mundial. Vale lembrar que estamos na Década de Ação pela Segurança no Trânsito (2011-2020) na qual governos de todo o mundo se comprometeram com a ONU a tomar novas medidas para prevenir acidentes - que matam cerca de 1,25 milhão de pessoas/ano - compromisso do qual o Brasil é um dos signatários.
Além de o Código de Trânsito Brasileiro reconhecer a prioridade para pedestres e ciclistas, o Brasil tem outros importantes marcos legais, como Estatuto das Cidades (2003), Política Nacional sobre Mudança do Clima (2009) e Política Nacional de Mobilidade Urbana (2012), que buscam construir cidades mais sustentáveis e saudáveis, e orientar o crescimento urbano. No âmbito municipal, existem o Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob) e o Plano Diretor Estratégico (PDE), ambos construídos com intensa participação popular e com base em diretrizes nacionais e internacionais de desenvolvimento urbano.
Enquanto sociedade civil, ocupamos importantes instâncias de participação, como o Conselho Municipal de Trânsito e Transportes (CMTT) e as Câmaras Temáticas de Bicicleta e de Mobilidade a Pé. Colocamo-nos à disposição para construir juntos e apoiar ações concretas desta gestão e reafirmamos aqui a importância do fortalecimento desses espaços para a construção de políticas públicas de qualidade.
Prioridade a melhores calçadas e acessos
No mínimo dois terços dos deslocamentos diários da cidade são realizados exclusivamente a pé ou integrado ao transporte público. Entretanto as condições de caminhabilidade em São Paulo não são adequadas para os trajetos cotidianos: calçadas inexistentes, estreitas, esburacadas, com degraus, falta de prioridade para os pedestres nas travessias, tempos semafóricos que desrespeitam as pessoas com dificuldades de mobilidade e desrespeito sistemático da prioridade a quem caminha.
Todos os anos, infelizmente, a maior parte das mortes no trânsito acaba sendo de pessoas que estão andando a pé pela cidade. Para que essa questão seja enfrentada, é urgente que a Prefeitura destine mais recursos ao planejamento e qualificação da infraestrutura para a mobilidade a pé, conforme está previsto no PlanMob. Isso exige uma mudança da priorização dos gastos orçamentários, que ainda privilegiam a manutenção da estrutura viária para veículos em detrimento das próprias calçadas e travessias.
Por quê mais ciclovias e ciclofaixas?
As políticas públicas que reconhecem ciclistas nas ruas datam da década de 80 e, diferentemente do que é divulgado pela mídia, a demanda por uma rede cicloviária em São Paulo é antiga. O planejamento está refletido no próprio PlanMob e entendemos que as críticas à malha cicloviária precisam ser qualificadas e construtivas em vez de colocar em xeque toda a política pública de expansão dessas estruturas, que salvam vidas.
Em gestões anteriores houve dezenas de encontros em todas as prefeituras regionais para formar consenso entre quem pedala, moradores e comerciantes. Segundo dados dos próprios técnicos municipais, apresentados na Câmara Temática de Bicicleta no início de 2017, a rede cicloviária estava 65% conectada. O número de ciclistas aumentou consideravelmente - mais de 200% em importantes eixos, como Av Paulista e Eliseu de Almeida, conforme mostram as contagens da Ciclocidade - e, principalmente, as mortes estavam caindo ano a ano. Porém, de acordo com o último Relatório da CET, a morte de ciclistas voltou a subir expressivamente em 2017 e esta realidade tende a crescer ainda mais se nada for feito imediatamente.
Nenhuma morte no trânsito pode ser aceitável
Pedestres e ciclistas não desfrutam da maior parte do orçamento destinado à mobilidade e consequentemente, representam um percentual expressivo de vítimas fatais no trânsito. Segundo dados da CET, no ano passado, 797 pessoas perderam suas vidas enquanto se deslocavam, sendo que 37 estavam de bicicleta e 331, a pé. Apesar de a mortalidade no trânsito ter reduzido em São Paulo desde 2014, o ritmo de queda vem desacelerando e os números continuam muito altos.
Para enfrentar essa realidade, é preciso ir além das campanhas educativas: a Prefeitura deve implantar em toda a cidade políticas públicas de fiscalização, acalmamento do tráfego, mudanças no desenho das ruas e qualificação da infraestrutura para os transportes ativos e coletivos. A cultura e o comportamento dos cidadãos reagem positivamente conforme são estimulados pelo poder público. Por isso são urgentes medidas mais enérgicas para a prevenção de mortes, ou continuaremos assistindo a essa chacina.
A gestão já havia se comprometido com o princípio “Visão Zero” na reunião do CMTT do dia 31 de janeiro de 2018. Aguardamos que a Prefeitura apresente seu plano de ação para enfrentar, de maneira global e integrada, a carnificina do trânsito paulistano. Continuamos dispostos a colaborar com a municipalidade com o objetivo único de transformar São Paulo na cidade onde nenhuma morte no trânsito seja aceitável.
Para compreender o compromisso da atual gestão com a mobilidade ativa, gostaríamos de convidar V. Exª a participar das próximas reuniões do CMTT e da Câmara Temática da Mobilidade a Pé e reforçar o convite a participar da Câmara Temática da Bicicleta.Seguiremos com nossa postura propositiva no sentido de construir e contribuir para políticas públicas de mobilidade que priorizem a vida das pessoas.
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