A estudante Pamela Emerich mora no bairro do Cambuci, em São Paulo, e utiliza a bicicleta duas vezes por semana para se deslocar para o trabalho na Barra Funda (zona oeste) e, de segunda a sexta, para a faculdade na Vila Mariana (zona sul).
Juntos, esses percursos somam 24 km. Por causa do cansaço físico, ela conta que pedala apenas duas vezes por semana para o trabalho. Mas, se fosse possível embarcar com a bicicleta nos ônibus, ela poderia usar o transporte público como uma ajuda para percorrer esse caminho mais facilmente.
Mesmo porque os ônibus cruzam o seu trajeto. Em alguns momentos, ela acaba tendo de pegar a faixa de ônibus e, nessa hora, Pamela conta que redobra sua atenção. Os dados mostram que faz bem: em 2017, os ônibus foram responsáveis por 25,64% das mortes de ciclistas por atropelamentos. Ela diz que se fosse repeitada na via a distância de segurança mínima exigida (1,5 m), não teria tanto medo.
Licitação
Essa situação de risco ao ciclista pode melhorar? A julgar pelo edital da licitação do transporte municipal em curso em São Paulo, Pamela e os demais munícipes que se deslocam de bicicleta para o trabalho ou o estudo podem perder as esperanças de avanços.
O texto, que esteve aberto a contribuições até o início de março e que ainda passará por mudanças, é tímido no que se refere à integração entre esses dois modais de transporte, concordam especialistas da área.
O coordenador da Ciclocidade, Flávio Soares, disse lamentar que São Paulo esteja perdendo a oportunidade de colocar em prática uma visão integrada que priorize o transporte público sem colocar em risco pessoas que se locomovem a pé ou por bicicleta. Ele defende que se pense também em quem está fora do veículo: "Até porque pedestres e ciclistas são usuários frequentes do transporte público", lembra.
Segundo Soares, dados da CET nos últimos sete anos mostram que os ônibus estiveram envolvidos em pelo menos um quarto das ocorrências com mortes de ciclistas e um quinto das que levaram a mortes de pedestres. "Isso se repetiu também em 2017. Se queremos estimular a intermodalidade, o primeiro passo é agir imediatamente para mudar este cenário. E nada melhor do que esta licitação para garantir isso”, ressaltou.
Com base em sua experiência diária, Pamela concorda: “Seria muito mais seguro pedalar ao lado do motorista que recebeu treinamento para respeitar o meu espaço como ciclista. Seria menos cansativo se eu levasse a bicicleta no ônibus e pedalasse apenas a metade do caminho. A licitação de ônibus precisa tocar em temas como segurança no trânsito e espaço para os ciclistas tanto na via quanto dentro dos ônibus. Eu mesma já sofri um acidente por falha do motorista e felizmente não foi grave. Percebo que alguns motoristas ainda não estão preparados para a convivência pacífica no trânsito", completa.
Entenda como pode ficar para o ciclista, caso não haja mudanças até a versão final do edital:
- Vaga para apenas uma bicicleta por ônibus: O edital limita o transporte de apenas uma bicicleta por ônibus, partindo do princípio que ciclistas pedalam sempre sozinhos. Segundo a Ciclocidade, o ideal seriam duas bicicletas. O edital também poderia permitir o acesso de bicicletas dobráveis, ampliando a intermodalidade com bicicletas de 11% para 54% da frota, e já possibilitar a adoção de racks externos, caso a legislação federal os permita nos próximos 15-20 anos (período previsto para a duração dos contratos);
- Limitador de velocidade: O edital prevê a obrigatoriedade nos ônibus de um aparelho limitador de velocidades que se ajuste às máximas estabelecidas pelas vias da cidade, não podendo passar de 50 km/h. Limitar a velocidade dos ônibus é bom, mas velocidades máximas de 50 km/h, para veículos do porte de ônibus ou caminhões, ainda são pouco seguras para pedestres e ciclistas.
- Treinamento para motoristas: O edital prevê obrigatoriedade de treinamento de direção defensiva apenas para motoristas envolvidos em ocorrências de trânsito com vítimas. Mas treinamentos devem ser também preventivos, na perspectiva da convivência com modais ativos de transportes.
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