Hospitais devem cuidar dos pacientes antes da entrada: o caso do HC

Uma breve caminhada no entorno do Hospital das Clínicas, em São Paulo, permite ver que a cidade também está doente. Veja a análise da equipe da Urb-i*

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Fonte: Urbi-i / Mobilize Brasil  |  Autor: Paulo Franco / Carolina Guido / Urb-i*  |  Postado em: 27 de março de 2018

Vista aérea da avenida de acesso ao Hospital: prio

Vista aérea da avenida de acesso ao HC: prioridade é o carro

créditos: Acervo Urb-i

Texto: Paulo Franco e Carolina Guido, da Urb-i*

 

A avenida Doutor Enéas de Carvalho Aguiar corta o complexo do Hospital das Clínicas, em São Paulo. São 700 metros por onde passam cerca de 45 mil pessoas por dia, a maioria idosos, cadeirantes, gente do Brasil inteiro em busca de tratamento de saúde. Mas com uma breve caminhada já dá pra perceber que a via também está doente. O espaço nas calçadas é impraticável em vários pontos, com árvores, postes, bancas de jornal e vendedores ambulantes.

 

Idosos, pessoas debilitadas ou com dificuldade de locomoção mal conseguem circular por ali. Médicos e acompanhantes também sofrem para caminhar. Os poucos locais de descanso com bancos e sombras ficam lotados o dia inteiro. Faltam banheiros públicos e mais opções de lanchonete. Atualmente só tem duas, sendo uma bem precária.

 

Os carros parados em local proibido ou os que querem fugir do trânsito na região prejudicam a circulação das centenas de ambulâncias que circulam diariamente. Vagas de táxi ociosas ocupam um valioso espaço que poderia ser dos pedestres. Enfim, uma rua nada amigável para pedestres e desagradável até mesmo para quem passa de carro.

 

A solução para tantos problemas não é fácil, mas tem que começar de alguma forma. No caso da Dr. Enéas, já havia um estudo de projeto feito pelo instituto Urbem prevendo um calçadão e conexões entre os institutos do HC. A ideia é ótima, mas o alto custo para se tirar do papel talvez tenha desencorajado os gestores públicos.  

 

Situação atual da av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar | Foto: acervo Urb-i

 

Inspiração para iniciar um movimento
A situação caótica foi muito bem retratada pelo documentário ‘Dis’ Mobilidade Urbana, produzido pelo Instituto de Estudos Avançados da USP. A estética amadora e os depoimentos espontâneos mostraram a realidade tal como ela é, sem maquiagens. Assista pra ver exatamente do que estamos falando:

 

 

 

A exibição do filme trouxe ainda mais apoio para a necessidade de mudanças na Dr. Enéas de Carvalho Aguiar. Mas como iniciar a transformação em um local tão complexo e movimentado? 

 

A saída pode ser o urbanismo tático, abordagem de aprendizado que prevê a transformação de forma gradual, planejando ações de curto, médio e longo prazos. A metodologia já foi aplicada com sucesso em espaços públicos de várias partes do Brasil e do mundo. O maior ícone é a Times Square, em Nova York. A via com grande movimento de carros virou calçadão e se ajustou ao alto fluxo de pessoas que passam por ali todos os dias.

 

 

Transformação da Times Square, em Nova York | Foto: acervo Antes e Depois  - Urb-i

 

Em São Paulo, a Urb-i propôs a mudança por etapas e projetou a temporária, implantada pela prefeitura na rua Joel Carlos Borges, na zona Sul (Veja aqui: www.urb-i.com/rua-joel). Mas cada caso é um caso e a av. Dr. Enéas teria que começar do zero.

 

Maratona diária: um dia de evento para experimentar uma nova configuração

A “Maratona Diária pela Vida” serviu como evento-teste marcado para o dia 25 de janeiro de 2018, aniversário de São Paulo. O principal objetivo foi promover uma nova configuração do espaço público. O projeto, aprovado pela CET, contemplou o alargamento das calçadas, novas áreas de embarque/desembarque, pontos de táxi e estacionamento de ambulâncias. Nenhum acesso de veículos foi bloqueado, mas a limitação do espaço já ajudou a deixar o trânsito mais calmo.

 

“Traffic Calming” ou acalmamento de tráfego implementado em toda a extensão da av. Dr. Enéas

 

Outro objetivo do trabalho foi chamar a atenção da sociedade e mostrar que é possível criar um ambiente mais agradável para caminhar. Foram montadas tendas com programação variada: Palestras, massagem, música, bate papo sobre saúde, medição de pressão e exibição de filmes sobre mobilidade foram algumas das atividades. Food trucks e banheiros químicos ajudaram a suprir a necessidade do dia a dia.

 

A população também foi ouvida por meio de pesquisas interativas: 96% apoiam o alargamento das calçadas, cerca de 90% disseram que a via é mal sinalizada para os pedestres e apenas 14% consideram a calçada acessível. 

 

Mapeamento das problemáticas e sugestões dos usuários | Fonte: acervo Urb-i

 

 

 

Gráficos resultantes da pesquisa de qualitativa, realizada durante o evento | Fonte: acervo Urb-i

 

 

 

Gráficos resultantes da pesquisa de opinião sobre as transformações possíveis | Fonte: acervo Urb-i

 

 

Mudança gradual: criação de laços afetivos com um novo lugar 

Muita gente pergunta “porque não fazer as obras definitivas logo de uma vez?” 

Isso envolveria muito dinheiro e uma obra complexa. Também correria o risco de se implantar uma solução incompleta, sem atender a todas as necessidades dos usuários. Planejar por etapas tem se mostrado uma boa saída! Se algo não ficar bom na primeira fase, altera-se para a seguite sem perder dinheiro e com menor chance de erro. 

 

O engajamento é muito importante, pois traz os usuários para dentro do processo. Ao longo do tempo, as pessoas constroem colaborativamente um senso de pertencimento e passam a ter uma relação afetiva com o lugar antes degradado. 

 

No caso da Dr. Enéas, em pouco tempo os médicos e toda a superintendência do Hospital trabalharam para tirar a etapa efêmera do papel. Professores da Faculdade de Medicina da USP se ofereceram para palestrar durante o evento e vários institutos abriram as portas durante o dia.

 

Pessoas e instituições não precisam necessariamente doar dinheiro, mas podem entrar com serviços e materiais para o evento. É a chamada economia colaborativa ou criativa. 

 

O processo educativo
Transformações do espaço público sempre geram desconforto por parte de alguns e isto faz parte do processo: “se incomoda, está surtindo efeito”. Quando se prioriza o pedestre, por exemplo, muitos motoristas reclamam por terem perdido espaço. Mas com o tempo, e os ajustes necessários, todos se adaptam à nova situação.

 

Bancas de jornal, vendedores ambulantes ou pontos de taxi podem continuar existindo, afinal, prestam um serviço à população. Mas em locais com dificuldade de acesso, deve haver uma reorganização para que o fluxo de pessoas não seja prejudicado. As áreas de embarque e desembarque de pacientes devem ter prioridade, bem como a circulação de ambulâncias.

Próximos passos?
As pesquisas realizadas no evento do dia 25 de janeiro já são um indício, mas ainda não representam a realidade completa da av. Dr. Enéas. Primeiro por terem sido feitas em um dia atípico, em que a movimentação de pessoas é bem menor do que a habitual. Segundo porque não foram ouvidos os motoristas de veículos e ambulâncias que circulam diariamente pela via. 

 

O próximo passo é traçar um plano estratégico, ouvir e mapear as necessidades dos usuários em geral e propor soluções. É necessário fazer contagens e observar os fluxos com mais cuidado para embasar a mudança necessária. Com todos esses dados em mão e a experiência urbana realizada no evento do dia 25, a Urb-i propõe um nova fase de testes – desta vez por mais tempo e em dias úteis.

 

Só depois desse novo experimento efêmero é que poderemos falar em uma etapa temporária (com duração de 1 a 2 anos), mais perene que a anterior, mas ainda leve. Incluiria pintura no chão, instalação de balizadores e novos mobiliários urbanos, como bancos, lixeiras, vegetação, entre outros.

 

A avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar é uma via doente. O tratamento não é simples e leva tempo, mas chegou a hora de começar o processo de cura por meio de ações simultâneas, graduais e assertivas - testando sempre. 

 

A Urb-i agradece a todos os envolvidos no processo, principalmente o professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina, Fernanda Cunha Rezende, do Instituto de Estudos Avançados (USP) e Linamara Battistella, secretária de estado dos direitos da pessoa com deficiência (SP), pelo empenho na realização desta etapa.

 

Evento: Maratona Diária pela Vida
Realização: Urb-i Urban Ideas, Caronetas, Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, Instituto de Medicina Física e Reabilitação (IMREA) e Instituto Cidade em Movimento (IVM).
Financiamento: Fundação Faculdade de Medicina, Fundação Zerbini, Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, Ambev e Indutil.
Apoio: Faculdade de Medicina da USP, Hospital das Clínicas, Hospital Sírio Libanês, Governo de São Paulo, Companhia de Engenharia de Tráfego – CET/SP, Mobifilm, Instituto Ethos, Associação Paulista Viva, ITDP e Sabesp. 


Veja e leia artigo completo, com as sugestões dos usuários em www.mobilize.org.br/estudos

 

E o vídeo sobre o evento:


Mais informações: www.urb-i.com/evento-hc

 

*Urb-i no Mobilize
Conteúdos gerados pela equipe da Urb-i, de São Paulo, são publicados em parceria no Mobilize. A Urb-i é uma start-up de soluções urbanas que propõe melhorar a vida nas cidades, transformando pessoas e lugares. Buscam também envolver a sociedade na criação de espaços públicos e oferecer novas experiências das pessoas com as cidades. 

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