Como seu filho vai para a escola?

Congestionamentos, buzinaços e conflitos de trânsito são comuns em portas de escolas. Iniciativas buscam a retomada da mobilidade ativa para pais, alunos e professores

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Fonte: Mobilize Brasil  |  Autor: Marcos de Sousa/ Mobilize Brasil  |  Postado em: 22 de novembro de 2017

Crianças chegam a escola em Belo Horizonte

Crianças chegam a escola em Belo Horizonte

créditos: Flávio Tavares/Hoje em Dia

Todos os dias, dezenas de ruas e avenidas de várias cidades brasileiras são invadidas por congestionamentos provocados por pais e mães que levam de carro seus filhos para as aulas e insistem em deixá-los bem na porta das escolas. 

 

Parece justo, mas um simples cálculo permite entender que essa prática cotidiana é absolutamente irracional. Suponha uma escola com apenas 15 salas de aulas, com 30 alunos por sala. Considere que apenas metade desses 450 alunos chegue à escola de carro. Seriam 225 carros chegando ao mesmo local quase ao mesmo tempo. Agora pense que cada carro leva de um a três minutos para embarcar ou desembarcar cada aluno, dependendo de sua idade. Na melhor hipótese, teríamos 225 minutos de embarques e desembarques.

 

Cada carro ocupa uma área na pista com cerca de 6 metros, o que resulta numa fila de 1.350 metros. Considere também que as laterais da via estão repletas de carros de pais e professores. Considere ainda que a via também é utilizada por veículos de moradores, serviços públicos, entregas etc. E imagine essa combinação três vezes por dia, pelo menos nos cinco dias úteis da semana. Imaginou?


O resultado pode ser constatado na rua onde trabalhamos, no Jardim São Paulo, zona norte de São Paulo, especialmente no horário do almoço, quando os dois ciclos (entrada e saída) se combinam. Durante uma hora a ruazinha fica tomada e paralisada por carros acelerando, buzinando e emitindo muita fumaça. Freadas barulhentas, discussões em alta voz e muita agressividade rompem com violência o bucolismo natural do lugar, um dos poucos bairros ainda tranquilos da capital paulista. O mais triste é que toda essa balbúrdia seja provocada por uma escola, que é por definição o lugar de formação de crianças e jovens. 

 

O transtorno é tão comum em cidades contemporâneas que até aplicativos já foram criados para sincronizar os tempos entre pais e alunos na porta da escola. Tudo para agilizar a saída das crianças e evitar os tais congestionamentos, multas etc. Mas, são apenas paliativos.

 

Jogo da cobra: uma experiência em SP
O problema, na verdade, é mundial e tem a ver com a opção preferencial pelo automóvel mesmo em cidades dotadas de boas estruturas de transportes coletivos. Em 2015, a União Europeia lançou uma campanha para estimular pais e crianças a ir e voltar da escola caminhando, de bicicleta ou usando o transporte público.

 

A iniciativa foi iniciada na Bélgica, com apoio do jogo The Traffic Snake Game e gradativamente foi ampliando sua influência pela Europa. Em Portugal, um dos 18 países participantes, a campanha foi batizada como A Serpente Papa-Léguas – Jogo da Mobilidade. O objetivo é reduzir o impacto do tráfego nas cidades, cortar as emissões de gases de efeito estufa e também melhorar as condições de saúde das pessoas. 

 

Em 2016, a arquiteta e urbanista Irene Quintáns e o matemático e editor Alexandre Pelegi trouxeram oficialmente a campanha ao Brasil em uma iniciativa pioneira aplicada em uma escola no bairro de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. A região já fora alvo de um projeto da Bloomberg Philanthropies para a criação de uma Zona 30km/h na avenida Marechal Tito, até então uma das mais perigosas para pedestres na capital paulista. 

 



Ação da campanha Jogo da Cobra em São Paulo: Irene Quintáns (centro), Alexandre Pelegi (esq.), crianças e professores


"Faltava, porém, uma abordagem nas escolas,  um olhar para crianças e adolescentes", lembra Alexandre Pelegi. Três escolas públicas da região foram pesquisadas e nesse trabalho ficou claro que a falta de segurança pública e a insegurança do tráfego eram os principais fatores que inibiam os trajetos a pé ou em bicicletas. "Como não havia segurança, os pais preferiam mandar as crianças para a escola em vans ou levá-las eles próprios de carro", lembra Pelegi. 

 

Depois da pesquisa, Irene e Alexandre pediram autorização à organização europeia para aplicar o jogo, receberam os materiais e localizaram uma escola, a Emef Arquiteto Luís Saia, uma professora - Rosângela Melo-, e uma classe que tinham o perfil ideal para participar da campanha. "A maioria das crianças, entre 8 e 9 anos, ia de carro para a escola", comenta Alexandre Pelegi. 

 

Ele explica que a atividade só deu certo porque nasceu do interesse das crianças e da professora, que abraçou a causa. "Quando estivemos na escola fizemos algumas oficinas, explicamos o que é o projeto zona 30 e notamos que a maior parte dos professores tinha certa resistência em abrir mão do carro e ceder seu espaço de estacionamento na rua. Percebemos que havia uma oposição à ideia.. e se não há a anuência, ou melhor ainda, o entusiasmo, a campanha não avança". 


C
rianças preenchem planilha do Jogo da Cobra no bairro de São Miguel Paulista, São Paulo


Na experiência de São Miguel Paulista  - a primeira na América do Sul, lembra Irene Quintáns  - foram as crianças que conquistaram e envolveram os pais com o desafio proposto pelo jogo. "Elas queriam completar as tarefas e estimulavam seus pais a ir a pé, experimentar o ônibus. Depois, ouvimos depoimentos de mães que participaram e contaram que puderam caminhar e conversar com os filhos durante o trajeto, o que nem sempre é possível quando se está dirigindo", completa Pelegi, que também é editor da Revista dos Transportes, da ANTP.

 

Pedibus, a pé para a escola
Outra ação europeia, o Pedibus, organiza crianças, pais e professores para irem a escola caminhando em grupos. Trata-se de uma iniciativa criada em 1998 na Suíça e que hoje tem praticantes em todas as partes do mundo, em vários países da América e também aqui no Brasil. Além de melhorar a saúde das pessoas envolvidas e reduzir os impactos ambientais do uso de automóveis, a iniciativa busca usar o caminho pelas ruas da cidade como um objeto de estudo e aprendizado para os jovens estudantes, argumentam os organizadores.

Pedibus em ação na Colômbia (Foto: Irene Quintáns)


Uma versão paulistana do Pedibus é o Carona a Pé, uma ação iniciada em 2015 por pais e professores de um colégio privado de São Paulo, hoje estendida a outras duas escolas. Em um breve resumo, o projeto se autoexplica: Diminui o trânsito; Aproxima as pessoas; Aumenta o compromisso com o horário; Cria vínculos com o entorno; e Torna a cidade um lugar mais amigável. 

 

Cyclobus, um ônibus a pedal
As crianças da Escola Anatole France, em Rouen (Ruão), norte da França, pedalam todos os dias para ir à escola. Algumas já o faziam naturalmente, com os pais e alguns coleguinhas, mas agora elas contam com o Cyclobus, uma divertida criação de dois jovens empreendedores locais. 

 

É um ônibus dotado de 10 selins, movido a pedaladas, com uma suave assistência elétrica. O conjunto é conduzido por um adulto, que é responsável por levar o "ônibus" à porta de cada um dos estudantes . "Foi ela quem pediu para usar esse ônibus", explica Hélène, mãe da pequena Lou, de sete anos. "Eu deixei de levá-la à escola e ganhei 45 minutos cada manhã antes de ir para o trabalho", completa a mãe. O projeto seduz crianças, pais e educadores porque reúne uma série de vantagens: é ecológico, estimula a prática esportiva entre as crianças, melhora o convívio e funciona como um exercício de trabalho em equipe.


O Cyclobus, em Rouen, na França
 

A visão da CET/SP
Para entender como as políticas públicas tratam o problema, procuramos as autoridades da cidade de São Paulo. Contatamos a CET/SP e a Secretaria de Transportes e Mobilidade Urbana, os dois organismos que respondem pelo trânsito na capital paulista. À CET encaminhamos as seguintes questões:

1. Existe norma municipal que regulamente o trânsito nessas escolas, que são polos geradores de tráfego?

2. A CET dispõe de alguma estatística sobre os congestionamentos gerados em portas de escolas?

3. Há algum programa municipal de educação que atue nas escolas, de forma sensibilizar pais e alunos sobre o problema gerado?

4. No caso de algum cidadão (ou grupo de cidadãos) se sentir prejudicado, que medidas ele pode adotar? Há algum telefone de contato? 

 

Esperávamos uma entrevista, mas recebemos a resposta protocolar via e-mail, como reproduzimos:


"Para minimizar o impacto no trânsito em áreas escolares, a CET realiza, diariamente, uma operação especial nas proximidades de 97 escolas, sendo 30 escolas da rede municipal, 17 estaduais e 50 particulares. O objetivo dessa operação é desenvolver ações educativas e operacionais, a fim de orientar, ordenar e fiscalizar o trânsito junto das escolas com maior potencial para causar reflexos negativos ao sistema viário da cidade.

Para propiciar segurança e disciplinar o embarque e desembarque dos alunos, essa operação conta com agentes de trânsito da CET, além de funcionários de escolas devidamente treinados. Estacionamento irregular e parada em fila dupla são consideradas as principais infrações cometidas pelos motoristas na porta das escolas. Para coibir infrações e manter a organização do trânsito, além de intensificar a fiscalização, as equipes da Companhia promovem ajustes nos tempos dos semáforos. 

No início de cada semestre letivo são realizadas ações educativas, com palestras ministradas pelos agentes da CET e a presença de mímicos na porta das escolas. O programa “Operador nas Escolas” tem por objetivo disseminar a ação educativa da CET por meio de agentes multiplicadores, e oferecer ao operador a oportunidade de executar a sua função de orientador e educador, aproximando-o do público infanto-juvenil. Essa conversa educativa dura cerca de 50 minutos (o tempo de uma aula), passando por temas como o papel da CET, do operador e da educação de trânsito; circulação e travessia segura, incluindo nesse contexto o risco do uso de fone de ouvido; como funcionam os semáforos e escolhas sustentáveis de transporte, dentre outros. Já a atividade dos mímicos procura conscientizar a população de forma divertida e bem humorada da importância do respeito às leis de trânsito, divulgando regras básicas de circulação e sinalização, trabalhando questões de cidadania. Além disso, por meio de gestos, os mímicos ensinam como dar prioridade ao pedestre durante a travessia da faixa, nos locais onde não existem semáforos. 

As principais orientações da CET aos motoristas nas imediações de áreas escolares são:
- Não estacionar em locais proibidos, frente a guias rebaixadas, em canteiros centrais, em fila dupla ou onde haja canalizações com cones e cavaletes;
- Se necessitar pedir informações, proceder de forma a não atrapalhar a fluidez do trânsito;
- Transportar crianças com segurança: somente no banco de trás, usando cinto ou assentos apropriados;
- Realizar o embarque e desembarque pelo lado da calçada para garantir a segurança do aluno;
- Reduzir a velocidade próximo a escolas e locais com grande movimentação de pedestres;
- Respeitar à travessia de escolares;
- Nunca fechar o cruzamento;
- Seguir as orientações dos agentes de trânsito.

Por meio do telefone 1188 (Fale com a CET), que atende 24 horas por dia, o cidadão pode solicitar a presença dos agentes de trânsito da CET e fazer reclamações e sugestões."

Saiba mais:
Carona a Pé: http://caronaape.com.br
Jogo da Cobra (São Miguel Paulista): https://www.facebook.com/Traffic-Snake-Game-Jogo-da-Cobra-313696929009654
Jogo da Cobra (Europa): https://www.trafficsnakegame.eu/
Manual Pedibus: http://www.cm-lisboa.pt/fileadmin/VIVER/Mobilidade/Manual_Pedibus.pdf 

 

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