O ônibus nunca foi tratado com o devido respeito e quase sempre foi considerado o patinho feio do sistema de transporte urbano. Há quem, inclusive, proclame que o ônibus é um mal necessário à própria vida das cidades; afinal, ele congestiona o trânsito, provoca acidentes, faz muito barulho, polui o ar e, ainda, presta um serviço que deixa bastante a desejar.
No caso de São Paulo, em especial, a sociedade critica, os políticos ignoram, as autoridades negligenciam, alguns formadores de opinião detonam e muito poucos usuários reclamam. Entretanto, poucos sabem que, para suprir a insuficiência de sistemas de transporte de grande capacidade, como trens e metros, todos os dias, uma frota de quase 14 mil ônibus urbanos circula pela cidade, rodando aproximadamente 3,5 milhões de km, transportando cerca de 6 milhões de pessoas, que realizam 10 milhões de viagens. O sistema de transporte por ônibus em São Paulo opera mais de 1.300 linhas, emprega cerca de 80 mil trabalhadores e gera mais de 300 mil empregos indiretos.
Essa frota circula em mais de 4,3 mil km de ruas e avenidas, mas em apenas 500 km de faixas exclusivas e 250 km de corredores de ônibus há alguma prioridade para o transporte coletivo. No resto do viário os ônibus disputam espaço com os carros, motos, caminhonetes e caminhões.
Apesar de tudo isso, o sistema de transporte por ônibus de São Paulo registra uma reclamação a cada 77 mil usuários transportados; um acidente a cada 550 mil km percorridos; um atropelamento, com vítima fatal, a cada 10 milhões de km rodados e uma tentativa de assédio sexual reportada a cada 90 milhões de passageiros transportados.
É certo que as reclamações, os acidentes e qualquer tipo de assédio devem ser eliminados ou reduzidos a um número mínimo.
Por outro lado, é impossível oferecer serviço de qualidade quando os ônibus não têm faixa de domínio própria e circulam por ruas esburacadas, os semáforos não conferem nenhuma prioridade aos coletivos, os passageiros andam e esperam pelos ônibus em calçadas mal cuidadas e praticamente não recebem informações sobre as condições operacionais das linhas.
Mais recentemente, outras responsabilidades começaram a ser atribuídas aos ônibus. A frota em operação contribui com menos de 8% do material particulado e do gás carbônico lançados, diariamente, na atmosfera. Todavia, nos debates sobre uma nova lei de controle das alterações climáticas, os ambientalistas não medem palavras para considerar o ônibus como o suposto responsável pelas mortes que a poluição provoca na população paulistana.
Na Semana da Mobilidade, realizada no mês de setembro, autoridades citaram estatísticas e usaram o aumento dos atropelamentos por ônibus para justificar o acréscimo do número de multas aplicadas às empresas operadoras. Se de um lado, esse tipo de acidente não se resolve com aplicação de multas, de outro, nenhuma menção foi feita ao lançamento de campanhas educativas que pudessem alcançar o pedestre, o usuário e até o próprio motorista dos ônibus.
Melhor, então, deixar os ônibus estacionados em locais bem visíveis, pois ônibus parado não congestiona as ruas e avenidas, não provoca acidentes, não causa atropelamentos, não cria ambiente favorável ao assédio moral e sexual, não faz barulho e não polui o ar da cidade. E, também não transporta as pessoas; mas, afinal, quem se preocupa com isso?
Hipotecando o devido respeito aos ônibus, mesmo com todas as adversidades e dificuldades operacionais, ainda é esse meio de transporte que leva as pessoas, diariamente, para o trabalho, para a escola, para o hospital, para o lazer, para as compras e, ao final do dia, de volta para casa. Existem modelos matemáticos que podem prever, com relativa precisão, o quê aconteceria numa cidade como São Paulo se não houvesse os ônibus. A resposta: a cidade simplesmente deixaria de existir!
*Francisco Christovam é presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo (SPUrbanuss)
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