Mobilidade urbana: "discussão avançou, mas pouco se fez de concreto"

É preciso rever as escolhas urbanísticas do passado e abrir caminho para cidades mais humanas e sustentáveis, defende Lincoln Paiva, do Instituto Mobilidade Verde

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Fonte: Mobilize Brasil / Instituto Mobilidade Verde  |  Autor: Lincoln Paiva*  |  Postado em: 17 de setembro de 2017

Lincoln Paiva fala de um novo conceito de caminhab

Lincoln Paiva: urbanismo caminhável

créditos: Instituto Mobilidade Verde

Nesta Semana da Mobilidade, o Mobilize Brasil completa seis anos de atividades. Concebido e dirigido por Ricky Ribeiro, o Mobilize começou a ser estruturado no final de 2010, mas somente em setembro do ano seguinte, exatamente nas vésperas do Dia Mundial Sem Carro, o portal nasceu para o público com o lançamento do Estudo 2011 e a realização do I Fórum Mobilize, em novembro. Para marcar a data, publicamos a visão de alguns colaboradores e apoiadores sobre os avanços (ou retrocessos) obtidos pelo Brasil na área de Mobilidade Urbana Sustentável ao longo desses 2.200 dias. Começamos a série com o texto de Lincoln Paiva, do Instituto Mobilidade Verde.  

Se olharmos para trás, as cidades brasileiras avançaram na discussão e na intenção, mas pouco se projetou, planejou ou executou. Em 2009, na esteira da COP 15 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), num esforço enorme de ativistas, sociedade civil, prefeitura e câmara municipais, a cidade de São Paulo conseguiu aprovar, de forma pioneira no Brasil, a lei 14.933 de mudanças climáticas, com contribuições valiosas do setor de transportes. 

A partir de então, outro esforço foi despendido para que em 2011 fossem publicadas as diretrizes e o plano de ação para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, envolvendo a troca da matriz energética do transporte público para uso de biodiesel e combustíveis de baixo carbono, promoção de transporte alternativo ao motorizado - em especial a bicicleta - e publicação de relatórios ambientais contabilizando as emissões de poluentes. 

Em 2012 é sancionada a política nacional de mobilidade urbana, que exige das cidades com mais de 20 mil habitantes o desenvolvimento de planos de mobilidade, com priorização do acesso universal e do transporte público, da bicicleta e do modo a pé sobre o transporte individual. 

A Copa do Mundo e a Olimpíada se aproximavam, e muito se prometeu às várias capitais brasileiras: o PAC da Mobilidade, o trem bala, VLT, VLP, ampliação de metrôs, eletrificação da rede de ônibus, o BRT no Rio e em outras cidades, o teleférico do Morro do Alemão... Muito foi investido, mas a mobilidade continuou caótica, o pedestre não foi valorizado e a bola da vez foi novamente o automóvel: as montadoras nunca venderam tanto e a população nunca ficou tão endividada. 

Veio a crise da Petrobrás, e a Cide Combustíveis (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) foi zerada no dia 22 de junho de 2012. Nesse mesmo dia, junto com outros países durante a Rio+20, o Planalto assinou a carta compromisso para redução da dependência dos combustíveis fósseis; que ficou só no papel. Era o país saindo pela contramão, trilhando o caminho incerto do pré-sal, e prometendo mundos e fundos, a salvação brasileira. 

Cidades se redesenham
Enquanto o Brasil mergulha na crise, com corrupção e problemas econômicos e políticos, o mundo segue discutindo a mobilidade sustentável, e a importância da caminhada na relação das pessoas com a cidade. A mobilidade deixa de ser orientada apenas pelo transporte e começa a ser vista como meio de promover desenvolvimento urbano e social. 

O redesenho das cidades com prioridade a ciclistas e pedestres se torna imprescindível, e mortes no trânsito não são mais toleradas. A ordem é baixar as velocidades e investir na construção de uma infraestrutura física e social que permita desenvolver uma cidade mais humana e sustentável. 

Os conceitos de Caminhabilidade e ocupação do espaço público entram em pauta. E passamos a discutir como nunca sobre a percepção de que ruas e calçadas, e as facilidades e as limitações do espaço urbano impostos ao pedestre precisam ser pesadas e consideradas. 

Cada vez fica mais claro que as escolhas urbanísticas do passado culminaram no abandono das centralidades históricas; isso, somado à ampliação da mancha urbana influenciada pela matriz de transportes, tornou as pessoas mais dependentes do automóvel particular. O resultado foi o limitar da capacidade de as cidades oferecerem ambientes que promovam a mobilidade a pé. 

A caminhabilidade, mais recentemente, passou a ser considerada uma ferramenta que - para além do estudo de por que as pessoas caminham ou deixam de caminhar nas cidades - permite avaliar o impacto disso na qualidade de vida delas. 

As primeiras cidades brasileiras a desenvolverem projetos de Urbanismo Caminhável, investindo na criação de indicadores de caminhabilidade, foram Jundiaí (SP) e Rio de Janeiro. Já São Paulo foi a cidade no país onde se observou o maior crescimento da rede cicloviária nos últimos anos, e ainda a que mais reduziu o número de mortes e de acidentes de trânsito. Com o exemplo, outras cidades passaram a apostar em caminhabilidade e também em sistemas para bicicletas. Pena que, ao menos na capital paulista, essa orientação parece estar mudando e os números positivos no trânsito regredindo.


*Lincoln Paiva é diretor do Instituto Mobilidade Verde e animador de uma série de inovações nas cidades brasileiras, como os parklets 

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