Um editorial do jornal The New York Times da semana passada (18) começou a discutir seriamente a adoção de veículos elétricos no transporte cotidiano e não mais como uma curiosidade ou coisa de ricos excêntricos. O texto lembra o impacto que os transportes têm nas emissões de carbono e sugere que não há como evitar o agravamento das mudanças climáticas sem eliminar os motores baseados na queima de combustíveis.
Em primeiro lugar há o estudo recente divulgado pela Bloomberg New Energy Finance que prevê uma redução drástica nos preços dos veículos elétricos entre 2025 e 2030, quando eles serão mais baratos do que os carros movidos a gasolina ou óleo diesel.
Um segundo ponto é o trabalho acelerado desenvolvido pelas montadoras - em todo o mundo - incluindo marcas como a General Motors, Volvo, Tesla e Nissan, que estão planejando uma série de novos modelos, mais acessíveis e também mais práticos do que as versões anteriores.
Um terceiro ponto é a decisão de gestores públicos em países como a Inglaterra, França, Noruega, China e Índia, além do Japão e Alemanha, de fixarem metas bem agressivas para colocar esses veículos em uso e eliminar os carros de gasolina e diesel. Aqui na América Latina, o México já definiu o ano de 2020 como limite para a circulação de veículos diesel em suas cidades e há uma previsão de que até 2030 os motores ruidosos e fumacentos desapareçam das ruas nos países que levam as questões ambientais a sério. Cidades como Atenas, Londres, Paris, Madri, México e Lisboa estão nessa trilha.
Céticos poderiam argumentar que as vendas de elétricos ou híbridos representam apenas 1,1% de todos os carros vendidos globalmente em 2016. Mas, essa nova tecnologia pegou e cresceu muito mais rápido do que se pensava apenas há alguns anos atrás. Havia dois milhões deles nas estradas do mundo no ano passado, um aumento de 60% em relação a 2015, de acordo com a Agência Internacional de Energia.
O custo das baterias , ainda o componente mais caro dos sistemas de motorização elétrica, caiu mais de metade entre 2012 e 2016, de acordo com o Departamento de Energia dos Estados Unidos. A montadora Tesla indicou que já pode produzir baterias por cerca de US$ 125 por quilowatt-hora, mas os pesquisadores dizem que o custo dos carros elétricos estará em paridade com os veículos convencionais quando os preços das baterias chegarem a US$ 100 por quilowatt-hora, o que está a poucos anos de distância, segundo especialistas na área.
O setor de transporte representa 14% das emissões globais de gases de efeito estufa e 27% das emissões nos Estados Unidos. No Brasil, o transporte corresponde a aproximadamente 50% das emissões. E em São Paulo, segundo dados do Inventário de emissões atmosféricas do transporte rodoviário de passageiros no município de São Paulo, o transporte significa 76% das emissões.
Nos últimos anos, descobriu-se que é muito mais difícil reduzir os gases gerados por fontes móveis do que os gerados pelas instalações industriais e usinas de energia. A mudança para carros elétricos e híbridos traz benefícios para o clima porque os veículos movidos a petróleo produzem mais emissões de gases de efeito estufa por unidade de energia do que as usinas alimentadas a gás natural, de acordo com a Energy Information Administration dos EUA.
Subsídios e fontes renováveis
Os defensores da mudança para a motorização "limpa" afirmam que o estímulo aos veículos elétricos combinado com o aumento das fontes de energia renováveis, como a fotovoltaica e eólica, pode levar a grandes reduções nas emissões ao longo do tempo.
Essa combinação também poderá ajudar a reduzir a poluição atmosférica local em países como a China e Índia. A China inicia em 2018 um agressivo programa para estimular a venda de veículos elétricos, com o objetivo de alcançar a taxa de 20% da vendas até 2025, o que faz do país o maior mercado mundial de veículos elétricos. A meta é considerada inatingível por abricantes europeus, que já pediram o adiamento do plano ao governo chinês. Na Índia, o governo planeja que até 2030 todos os veículos vendidos no país já sejam elétricos. Na Noruega, a mesma meta deverá ser alcançada em 2025, enquanto na França o horizonte é mais distante, para 2040.
Na visão dos especialistas consultados pelo New York Times, o apoio governamental é tão crucial para o futuro da tecnologia como os avanços técnicos. Se países, estados e localidades incentivarem a instalação de estações de recarga públicas por meio de incentivos fiscais ou por investimento direto do poder público, mais pessoas tenderão a buscar esses veículos, gerando um novo setor econômico, com novos empregos e oportunidades.
Carros elétricos, porém, não salvarão a humanidade. Como lembra o professor Paulo Saldiva (IEA/USP) caso todos os automóveis, caminhões e motocicletas fossem substituídos por veículos elétricos, sem dúvida haveria uma melhora na poluição atmosférica e acústica das cidades, mas os congestionamentos continuariam no mesmo lugar, com seu desperdício de espaços, tempos e dinheiros. A meta mais avançada envolve a troca do fóssil pelo elétrico, mas sobretudo do individual pelo coletivo, em sistemas de carros compartilhados, ônibus e bondes elétricos, bicicletas, triciclos e uma série de novos veículos para entregas de cargas urbanas. Híbridos movidos a eletricidade e arroz com feijão.
Com tanta tecnologia embarcada, os novos veículos poderão ser dotados de sistemas inteligentes de navegação, que ajudem seus condutores (se é que eles ainda existirão) a dirigirem com mais segurança. Imaginem carros que ao chegar a uma área urbana imediatamente reduzam seus limites máximos de velocidade para 40 km/h ou 20 km/h ao se aproximar das imediações de uma escola, por exemplo. Isto já é possível e depende de políticas públicas e de decisão da indústria de veículos. Assim, pedestres e ciclistas - incluindo crianças e idosos - poderão voltar a ocupar as ruas.
Alguns setores da indústria de combustíveis fósseis tentarão sabotar a revolução dos elétricos. Nos Estados Unidos, lembra o NYT, a indústria está pressionando governos de estados para eliminar subsídios aos novos veículos. E muitos analistas acreditam que a indústria busque mudanças semelhantes em nível federal, dependendo do presidente Trump e dos líderes republicanos no Congresso, que não vêem as mudanças climáticas como uma grande ameaça. Todos, porém, sabem que o máximo que podem fazer é retardar o processo. O carro elétrico já saiu da garagem.
Ônibus elétrico a bateria BYD/Caio, produzido no Brasil
Elétricos no Brasil
No Brasil, salvo algumas experiências em Fortaleza, Belo Horizonte e Curitiba, ainda estamos na fase da curiosidade, tal como os europeus e norte-americanos estavam 20 anos atrás. Há também novidades, como a produção nacional de ônibus a bateria (BYD/Caio) e a gás (Scania/Marcopolo). Mas nesta semana, circulando em São Paulo, vimos um veículo elétrico Renault Twizy saindo das oficinas de uma empresa seguradora, a mesma que já adota bicicletas elétricas e motonetas elétricas para algumas entregas e inspeções. É um bom sinal, já que o modelo compacto é amplamente utilizado em sistemas de carros compartilhados na Europa. Mas, convém não esquecer a advertência do Saldiva...
*Texto adaptado e editado a partir de editorial do jornal The New York Times
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