Os deslocamentos que uma pessoa faz em uma cidade também têm relação com o gênero. Mulheres fazem um número diferente de viagens cotidianas em relação aos homens, usam mais determinados tipos de transporte e mesmo suas motivações para se deslocarem são muitas vezes específicas.
Essa peculiaridade na mobilidade é alvo de um novo estudo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo realizado a partir de dados da pesquisa Origem e Destino de 2012 do Metrô de São Paulo.
O que diz o estudo
- Mulheres usam mais (74,6%) o transporte coletivo e andam mais a pé que os homens (62,5%). Somadas, as porcentagens desses meios de transporte resultam 74,6% para elas e 62,5% para eles;
- Em uma família com ganhos mensais menores que R$ 1.244, 50% das viagens das mulheres são feitas caminhando e 28% de ônibus;
- Nos deslocamentos feitos por carro, as mulheres são passageiras na maioria das vezes: 13,7% de suas viagens são feitas por elas mesmas ao volante, enquanto para os homens, essa porcentagem quase dobra (26,4%);
- As principais motivações das mulheres para se deslocarem são as mesmas se comparado aos homens: trabalho e estudo. No entanto, as viagens delas têm razões mais diversificadas, o que indica que tarefas como fazer compras e levar familiares ao médico ainda recaem principalmente sobre as mulheres, depreende a pesquisa.
Segundo o relatório, o fato de mulheres utilizarem mais o transporte público e andarem mais a pé as torna “atores centrais para o planejamento urbano”, já que por conta disso “vivenciam de maneira mais próxima e orgânica essa dimensão do espaço público e seus equipamentos”.
Renda e locomoção
Além de diferenciar a mobilidade de homens e mulheres, o estudo da prefeitura também mostra como mulheres de faixas de renda diferentes se deslocam de maneiras distintas pela cidade de São Paulo.
Segundo o estudo, as características socioeconômicas da população “contribuem para que o acesso físico à cidade não seja homogêneo”. Essa diferenças influenciam, além da locomoção ao local de trabalho e estudo, o acesso à cultura e aos cuidados com a saúde.
O levantamento mostra que mulheres situadas nas faixas de renda familiar mais baixas fazem menos viagens com motivo final “trabalho”. O dado sugere situações em que mulheres abandonam seus empregos para dar conta da casa e dos filhos e também o exercício do trabalho informal.
No caso de mulheres de renda familiar mais alta, a divisão de trabalho com os homens pode ser menos desigual. Elas contam, geralmente, com profissionais e instituições que acompanhem seus filhos e isso impacta seu padrão de mobilidade. Além disso, sua inserção e permanência no mercado de trabalho formal é maior.
A mobilidade das mulheres
O estudo mostra que as viagens feitas pelas mulheres em São Paulo extrapolam o eixo “moradia-trabalho”, mais comum para os homens. Elas incluem idas e vindas a supermercados, lojas, farmácias, creches, escolas, postos de saúde e outros inúmeros destinos, que acabam desenhando um tipo específico de deslocamento no espaço.
“Apesar de a crescente inserção das mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas, a elas ainda cabe muitas vezes a ‘função lar’, quer dizer, viagens de manutenção da casa", afirma a engenheira Haydée Svab, autora de outro estudo sobre a mobilidade das mulheres em São Paulo, em entrevista ao Nexo.
A realização dessas atividades em uma cidade segregada socialmente, cujas condições de acessibilidade não são adequadas, diminuem o raio de ação territorial dessas mulheres. A limitação explica o maior número de deslocamentos a pé feitos por elas, assim como a duração menor de suas viagens.
A diversificação maior das razões pelas quais as mulheres se deslocam está ligada ao papel social esperado delas, segundo Svab. “As pessoas esperam que um homem seja o provedor, seja o chefe da família. Espera-se que a mulher cuide da casa e da família, faça as compras. Ela exerce [esse papel], seja porque quer, seja porque foi ensinada ou porque a sociedade espera isso dela”.
Série histórica
O estudo de Haydée Svab, “Evolução dos padrões de deslocamento na Região Metropolitana de São Paulo: a necessidade de uma análise de gênero”, também teve como base a pesquisa Origem e Destino do Metrô de São Paulo, assim como o material da prefeitura.
O banco de dados da pesquisadora foi formado a partir das pesquisas dos anos de 1977, 1987, 1997 e 2007, e as conclusões foram semelhantes. Svab analisou o número de viagens realizadas por mulheres e descobriu a situação familiar declarada pelas mulheres na pesquisa do metrô como um fator relevante para a mobilidade dessas mulheres. Elas podiam optar por responder que são cônjuge, chefe de família - substituído por “pessoa responsável” em pesquisas mais recentes - filho, parente ou outro.
Ela descobriu ainda que mulheres cuja situação familiar era a de “cônjuge” se deslocavam menos e não tinham prioridade no uso do carro da família em relação aos homens, e mulheres mais instruídas se deslocavam mais.
Svab também constatou que a cidade é “menor” para as mulheres: homens percorrem distâncias maiores e fazem viagens mais longas em São Paulo, por isso para eles o acesso à cidade é, de modo geral, mais amplo.
Como reduzir as desigualdades
O estudo da prefeitura propõe medidas que beneficiam as pedestres, como manter reduzida a velocidade máxima de vias, instalação e melhoramentos em calçadas e iluminação. As políticas sugeridas para beneficiar as usuárias do transporte público incluem aumentar o número de motoristas mulheres, permitir o desembarque noturno de ônibus em locais seguros fora dos pontos regulares e reduzir tarifas de transporte.
Políticas indiretas também podem reduzir a desigualdade no padrão de deslocamento das paulistanas. “A instalação adequada de creches em quantidade e localização, escolas públicas com educação integral e centros públicos de atividades para a população idosa e pessoas com deficiência podem contribuir com a entrada e a permanência no emprego de mulheres”, propõe o documento da secretaria. Dessa forma, os deslocamentos para essas finalidades ficariam melhor distribuídos entre homens e mulheres.
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