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Ciclovias feitas para quem? 

A capital paraense viveu nos últimos anos um aumento extensivo da malha cicloviária, segundo dados da Semob - Superintendência de Mobilidade Urbana, existem hoje cerca de 85 km de malha cicloviária na cidade e outros 44 km à implantar até o final do ano. 

Apesar de ser um modo de transporte amplamente difundido entre determinados segmentos sociais, como entre os operários da construção civil e das pessoas de menor renda, nos últimos seis ou sete anos Belém passou a viver uma efervescência do ciclismo como prática de lazer, esporte e também como uma modalidade de transporte também da classe média, até então confinada quase exclusivamente a seus carros.

Talvez pela falta de estrutura rodoviária e pelas precárias condições do transporte público, a cidade começou a ver o transporte cicloviário como uma alternativa, o que finalmente levou à extensão da malha cicloviária e à criação de vários serviços, de barbearias a supermercados, onde o ciclista é bem recebido.

Outro elemento revelador dessa nova realidade é o surgimento de grupos ciclísticos, como o Bike Belém, cuja página no facebook possui mais de nove mil membros, além de equipes de competição, programas de TV, e mais recentemente o primeiro serviço de bicicletas compartilhadas da região Norte. Há ainda grupos de cicloativistas, como o Bike Anjo, Pedal Corujão e o Ciclomobilidade Pará.

Essa conjuntura de valorização da bicicleta fez aumentar a atenção da sociedade em relação aos projetos e serviços para a mobilidade ativa. Um dos exemplos mais evidentes do descontentamento em relação às obras públicas pode ser visto na repercussão negativa que a ciclovia da avenida Duque de Caxias provocou entre ciclistas e pedestres.

Para entendermos, é importante dizer que a "Duque", como é popularmente conhecida, é um dos principais corredores de tráfego da cidade e liga três bairros, do Santuário de Fátima até o Centro de Convenções. Com seu trânsito rápido, a avenida foi a primeira a despertar os cidadãos de Belém para a necessidade de uso e o respeito à faixa de pedestres, assim como para a urgência de medidas para a humanização do trânsito. Em síntese, passou-se a buscar uma cidade feita para as pessoas e não apenas para o carro.

Avaliação
Face  à polêmica gerada pela obra, logo após sua inauguração o grupo Ciclomobilidade Pará realizou uma avaliação heurística¹ entre os usuários que apontou objetivamente o que precisa ser melhorado.
 

A metodologia baseou-se numa pontuação de 1 a 5 para os problemas encontrados, sendo 1 irrelevante e 5 extremamente preocupante. Foram avaliados itens de Segurança; Limpeza; Sinalização; Trafegabilidade e Infraestrutura. No total foram respondidos mais de cem questionários e, além de atribuir a nota, os usuários deveriam indicar objetivamente exemplos que os levaram a essa nota. Seguem algumas observações sobre a avaliação.

1. Segurança
A média final da segurança foi 3,0, o que em nossa escala equivale a uma via relativamente segura, de fato uma média boa. No entanto, alguns pontos foram destacados que comprometem a segurança.

Iluminação: em determinados pontos foi considerada insuficiente, o que pode facilitar a ação de marginais contra a segurança dos ciclistas.

Policiamento: não há nenhum ponto de policiamento ao longo da via.

Cruzamentos: em Belém, os condutores de automóveis têm o costume de entrar em alta velocidade nos cruzamentos, problema que precisa ser sanado pelas autoridades.

Rampas: nos cruzamentos, as rampas têm inclinação demasiada, fato que pode gerar acidentes.

Em alguns trechos a pista apresenta desnívelamentos nas laterais, outro problema que pode provocar acidentes em caso de desatenção.

O ponto forte destacado foi a distância segura em relação à pista de carros.

2. Limpeza
A média da limpeza foi 3,5, nota que indica uma pista entre pouco suja e limpa. Os principais problemas abordados foram em relação à restos de obra, fato que a prefeitura já sanou. No entanto, ainda há elementos que podem ajudar na limpeza:

Campanhas educativas, para evitar a deposição de lixo, fezes de animais e restos da vegetação do entorno.

3. Sinalização
A média da sinalização foi 3,6, encontrando-se entre pouco sinalizada e sinalização suficiente. As principais reclamações em relação à sinalização encontram-se nos cruzamentos, um dos pontos críticos do projeto.

4. Trafegabilidade
Esse item teve a pior média de avaliação da ciclovia, com a nota 2,6, considerada muito baixa. Esse foi o único item que não teve pontos fortes destacados e apresenta uma série de problemas que necessitam ser sanados:

- Irregularidades do piso.

- Aclives e declives muito íngremes.

- Carros em alta velocidade nos cruzamentos.

- Pedestres fazendo uso das ciclovias.

5. Infraestrutura
A média conferida à infraestrutura foi 2,9, média um pouco abaixo do esperado, provavelmente devia à qualidade dos materiais empregados, sobretudo no piso, que aliás, foi quase unanimidade entre as reclamações.

A média final ficou em 3,12, apenas um pouco acima da metade da escala de satisfação estabelecida. Essa pontuação indica que a obra não atende ao propósito a que se destina, constatação agravada pela baixa pontuação do item trafegabilidade.

Concluímos que a ciclovia da Duque corre sério risco de ser abandonada pelos ciclistas, tal como já ocorrido em outras vias de Belém, a exemplo da avenida Marquez de Herval.

1 Avaliação heurística é um método de avaliação de usabilidade, no qual um avaliador procura identificar problemas de usabilidade numa interface com o usuário por meio da análise e interpretação de um conjunto de princípios, ou heurísticas. 

Acilon HB Cavalcante
Professor Msc. de Produção Multimídia FAV/UFPa, Coordenador da Incubadora de Linguagens Digitais da FAV/UFPa, Estudante de Design de Interação da Universidade da Califórnia, Estudante de Mídias Interativas da GeorgeBrown College, Canadá.