Em outubro do ano passado, voltando de uma aula de Pilates lá pelas 7 da noite, fui vitimada por uma “calçadarmadilha”, mais uma dentre as milhares que temos em nossas cidades.
Pisei em falso sobre o que parecia ser uma superfície regular e revestida, mas que na verdade ocultava um forte desnível, provavelmente provocado pela raiz de uma árvore. Fui direto ao chão após torcer violentamente o tornozelo esquerdo e machucar também o joelho oposto que absorveu o impacto de meu corpo no chão. Ah a fatal somatória de calçadas descuidadas com a Lei da Gravidade…
A dor lancinante só me possibilitou levantar após caridosas almas transeuntes me socorrerem e me ajudarem a retornar à posição vertical. Imaginando ser uma simples torção, tentei retomar meu caminho de volta para casa, a umas três quadras dali. Mal consegui dar dois passos e tive que recorrer a um táxi.
Em casa, vi que meu tornozelo havia se transformado numa “bola” e a dor, que latejava mais forte ainda, me obrigou a procurar um pronto-socorro e constatar que se tratava de algo um pouco mais grave do que uma simples torção de pé.
O exame de raio X determinou a terrível sentença: 60 longos dias de muletas, sem poder encostar o pé no chão contra uma série de compromissos profissionais agendados nas semanas seguintes. E a dolorosa constatação de que seriam impossíveis de serem cumpridos por envolverem além dos deslocamentos usuais, viagens aéreas e ao interior do estado.
A partir do dia seguinte, tive que correr contra o tempo para avisar a todos que seriam afetados pela minha imprevista e involuntária situação e tentar dar sequência a meus compromissos profissionais na base do home office, já que só a perna estava imobilizada. Mas foi difícil, nem todos aceitaram e perdi muito trabalho. Os remanescentes, quando em lugar acessível e com apoio, me permitiam ir, feliz da vida, mesmo refém de muletas e da bota imobilizadora. Foram oportunidades para mostrar como é fácil ser vítima de acidente na calçada, o tipo de acidente de trânsito que não é considerado acidente, não entra nas estatísticas, mas por ser o mais freqüente eleva os valores de uma conta social invisível, que é paga por todos.
A minha queda na calçada também serviu para constatar que eu era mais uma vítima-tipo da pesquisa realizada em 2010 pela Dra. Julia D’Andrea Greve a partir dos atendimentos realizados no Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas. Esta pesquisa apontou a queda na calçada como o acidente que mais vitimiza as pessoas nas ruas. Também mostrou que as vítimas calçavam tênis, tipo de sapato que em nada compromete o conforto e a eficácia da passada.
Essa constatação comprova a tese de que a queda na calçada tem como causa principal a forma negligente e descuidada com estes espaços públicos são vistos e tratados por seus responsáveis. Os proprietários dos lotes falham na ação da construção e manutenção, incluindo-se aí a escolha de material adequado, boa vontade no entendimento e atendimento às normas legais. O poder público, por sua vez, não se empenha em fiscalizar adequadamente para que as regras sejam rigorosamente cumpridas, pelo menos como procede com outros tipos de espaços públicos, como as pistas de veículos, por exemplo.
Também considerei oportuno mostrar detalhadamente os dados deste estudo porque eles são a prova mais consistente da pouca atenção dada ao espaço público mais importante da cidade: é nele que inicia todo e qualquer deslocamento realizado por todos os modos de transporte das cidades.
Assim que pude me libertar das muletas, evolui para a bengala por mais dois longos meses, estruturada ainda por quarenta sessões de fisioterapia. Quando foi possível realizar uma caminhada autônoma, a primeira coisa que fiz foi voltar ao lugar da queda e conferir o local. Tirei as fotos mostradas no início deste artigo, confirmei a numeração do imóvel responsável pela calçada e fiz um SAC à Subprefeitura de Pinheiros comunicando seu mau estado, e solicitando urgente recuperação para que não vitimasse mais ninguém.
Menos de um mês depois, ao passar novamente pelo local fatídico, surpresa constatei que haviam feito uma espécie de remendo improvisado para tentar solucionar a irregularidade da calçada. A massa de cimento utilizada na intenção de recobrir a irregularidade das pedras do calçamento mal havia sido colocada e já estava começando a rachar, deixando evidente que se tratava mesmo de uma gambiarra e não de uma solução definitiva e séria para o problema.
Ao ver o insistente pouco-caso no trato de um problema tão grave e de tamanha responsabilidade, que certamente vitimaria muito mais gente, tomei uma decisão. Iria interpelar judicialmente os responsáveis para exigir uma solução definitiva para o problema e, porque não, ressarcir meus prejuízos materiais. Esta minha intenção não foi recebida com muito entusiasmo pela família e amigos porque achavam que não iria conseguir nada. Entretanto prossegui com o meu intento com objetivo mais concentrado em chamar a atenção e até incomodar o condomínio responsável pela calçada para repará-la decentemente. Procurei um escritório de advocacia que trabalhava com mediação, forma mais fácil e rápida de fazer Justiça, ou ao menos, sensibilizar os responsáveis pela calçada e conseguir um acordo.
O contato com o poder público, na Subprefeitura de Pinheiros, foi respondido com o Ofício nº 0079/2016-SNJ.G., no qual se declarou que o município não poderia interagir com o mecanismo judiciário por mim utilizado, que não era um órgão judicial do estado. Já o condomínio responsável pela calçada se mostrou interessado ao saber do ocorrido e sinalizou com a possibilidade de um acordo para ressarcimento de prejuízos.
Depois de quatro meses de negociações conduzidas pela TNA – Câmara Nacional de Mediação e Arbitragem, dirigida pela advogada Luz del Carmen Pimentel Medel, consegui fechar um acordo pelo qual receberei serei indenizada em metade dos prejuízos que tive com o período de imobilização obrigatória. Também consegui a garantia de que a outra metade da indenização será utilizada para custear a reforma da calçada com o meu acompanhamento técnico e assim garantir que ela contemple as condições exigidas para uma boa qualidade de caminhabilidade.
Para concluir meu vitorioso relato, incito a todos os que foram prejudicados física e moralmente por nossas péssimas calçadas a que utilizem os canais de comunicação para relatar e registrar o problema e que corram atrás de seus direitos porque vale a pena. Só assim teremos uma cidade onde a caminhada se consolide como uma forma de mobilidade que vale a pena para qualquer tipo de viagem. E que o nível de consciência com os espaços públicos de caminhada atinja valores tais que ninguém mais tenha que sofrer para que sejam alcançados.