Ao colocarem seus interesses pessoais acima dos demais, ao cometerem sistematicamente suas infrações, se indignam com o “guarda escondido atrás do poste”, o “radar pegadinha”, ou a “indústria da multa”. Assim são criados certos mitos, depois replicados pelos maldosamente interessados e por pobres ingênuos prejudicados pelo comportamento egoísta e arriscado dessa turma.
Certa vez um amigo – que estava há anos fora do Brasil e retornava – me questionou sobre esse tipo de sinalização e, meio sem jeito, respondi que era obrigatório pelas nossas leis de trânsito. Ele continuou insistindo sem entender o porquê, já que a presença da sinalização faz com que o radar perca seu efeito, e a velocidade só seja reduzida nesses pontos fiscalizados. Basta ver as marcas de pneus nesses locais. Soube agora que a essas placas não são mais obrigatórias. Ainda bem. É um primeiro passo e o próximo deveria ser a proibição e a retirada imediata desse tipo de placa.
Ele foi criado para a emblemática campanha “Paz no Trânsito”, de Brasília, há 20 anos, que buscava reduzir as mortes no trânsito causadas pelo desrespeito de motoristas às faixas de pedestres.
Servia, portanto, para sinalizar a sinalização, aplicando-se assim a mesma lógica bizarra de paparicar o motorista em vez de aplicar a lei, e contra um potencial infrator. Além disso, obrigava o pedestre – o mais prejudicado pela situação – a humildemente pedir licença para cruzar a rua, situação que comprometia a eficácia e a própria existência da faixa de pedestre. Maluco, não?
Mas, como funcionou, pelo menos por um tempo, foi readotado pelo Programa de Proteção ao Pedestre da CET de São Paulo, entre 2011 e 2012. Esta ação conseguiu reduzir atropelamentos, mas certamente não foi apenas uma decorrência do gesto da mãozinha. Em 2014, a CET implantou o Programa de Proteção à Vida, que consistiu em baixar os níveis de velocidade e intensificar a fiscalização. Não foi uma ação dirigida especificamente ao pedestre, mas a todos os usuários da via, e se mostrou um programa eficaz. Para quem duvida, basta consultar o histórico das mortes no trânsito do Relatório de Acidentes da CET:
O número de pedestres mortos entre 2011 e 2013, época de duração do Programa de Proteção ao Pedestre, caiu de 617 para 540 no primeiro ano (cerca de 12,4% mortes a menos), e de 540 para 514 (cerca de 5% mortes a menos ) no segundo. Os atropelamentos tornaram a subir com o término do Programa de Proteção ao Pedestre entre 2013 e 2014, de 514 para 555 (cerca de 8% mortes a mais). Em seguida, tiveram uma significativa queda de 555 para 419 (25% de mortes a menos) entre 2014 e 2015, época da implantação do Programa de Proteção à Vida, com a redução de velocidade e fiscalização intensiva.
É claro que há outras variáveis envolvidas mas, mesmo assim, ao se comparar os porcentuais de redução de óbitos, fica evidente que as iniciativas envolvendo controle de comportamento do infrator se mostram mais eficazes do que as ações que envolvem sobreposição de sinalização.
Agora, com a gestão na prefeitura paulistana a ser iniciada no próximo ano, novamente querem trazer o Programa de Proteção ao Pedestre com o gesto da mãozinha e, ao mesmo tempo, rever o Programa de Proteção à Vida com a retomada dos padrões de velocidade para valores maiores em alguns locais da cidade. Volta, assim, a lógica maluca e perversa de sinalizar a sinalização, o “avesso do avesso do avesso” criado pelo poeta para definir Sampa. Essa visão compromete o código de comportamento coletivo seguro instituído pela legislação de trânsito e complica a vida de quem está na situação de maior vulnerabilidade, todos nós, que somos pedestres.
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[…] em 2013. Sou pedestre e afirmo que melhorou muito. Mas como minha palavra não basta, eis os dados: naquele período o número de pedestres mortos caiu de 617 para 540 no primeiro ano, e para 514 no […]