A mobilidade urbana é vista e avaliada desde diferentes óticas: quem nem sabe o que significa o termo, quem reduz a questão a uma oferta de meios de transporte, quem apenas contempla calçadas nas políticas urbanas para pedestres, quem quer construir uma política pública de mobilidade urbana sustentável, quem tem a suficiente sensibilidade para pensar no quesito “desigualdades urbanas e relação com a mobilidade urbana”…e outros. Nestes dias nos quais é celebrado o Dia Mundial sem Carro e a Semana da Mobilidade, queria trazer uma outra mobilidade. A das mães, a das mães com filhos pequenos, a mobilidade urbana que experimentam. Não quero fazer um tratado sobre Urbanismo de gênero (isso precisaria muito mais espaço), mas sim algumas observações e uma sugestão que poderia trazer algumas melhorias.
Desde o ano 2016 sou consultora externa da Fundação Bernard van Leer, especificamente no eixo de trabalho chamado Urban95 (desenho de cidades que contribuam para o desenvolvimento saudável da criança de 0 a 3, incluídas as gestantes). O primeiro pensamento para algumas pessoas é pensar em uma “cidade para crianças” especialmente feita para elas ou ainda mais longe do que precisamos, uma cidade em miniatura.
A mini-cidade da foto (Madurodam Miniature Park), localizada na Haia (Países Baixos) é uma boa diversão para um dia de passeio, inclusive acho bem simbólica a escala das crianças em relação à cidade; mas o Urban95 não é isso, mas sim incluir as necessidades dessa população dentro das políticas urbanas.
E isso…o que será? Gostaria de falar, como coloquei no começo do texto, sobre mobilidade urbana: a de uma mãe gestante, uma mãe com um bebê ou uma mãe de uma criança pequena que aliás desse filho, está gestante. Uma mãe na periferia, lá no “fundão”, onde as calçadas não chegam. Não sóestou pensando no problema do insuficiente tempo semafórico (quando existam faróis), da ausência de ciclovias ou da supressão de cobradores -temas recorrentes nestes momentos-. Estou querendo falar das chamadas “micro acessibilidades”, os trajetos a realizar até chegar a uma via maior por onde passam os ônibus ou onde há calçadas. Isso é o que define o nível de proximidade.
Proximidade para uma mãe com bebê não é apenas uma questão de métricas, sejam distâncias ou tempos. Sim, claro, máximo 500 metros caminhando ou 5 minutos é muito bom, mas se não temos outras condições, a proximidade será afetada. As condições de segurança e salubridade do trajeto são as que determinam que algo esteja perto ou longe.
Veja um extrato desta pesquisa:
Você sente prazer quando pensa no que pode acontecer em seu dia-a-dia?
1. Como sempre sentiu
2. Talvez menos do que antes
3. Com certeza menos
4. De jeito nenhum
Você tem se culpado sem necessidade quando as coisas saem erradas?
1. Não, nenhuma vez
2. Não muitas vezes
3. Sim, algumas vezes
4. Sim, na maioria das vezes
Você tem se sentido incapaz de lidar com as tarefas e acontecimentos do seu dia-a-dia?
1. Não. Eu consigo lidar com eles tão bem quanto antes
2. Não. Na maioria das vezes consigo lidar com eles
3. Sim. Algumas vezes não consigo lidar bem como antes
4. Sim. Na maioria das vezes não consigo lidar bem com eles
Essas perguntas fazem parte da pesquisa aplicada em mães que apresentam sintomas de depressão pós-parto (a Escala Edimburgo de Depressão Pós-Parto, método usado para mensurar o grau da doença. No Brasil a incidência é de aproximadamente 25%…A pesquisa consiste em dez perguntas com quatro níveis de resposta cada.
Quando o bebê nasce, a mãe fica 24/7 atendendo ao seu filho. Pesquisa “Estudo longitudinal sobre prevalência e fatores de risco para depressão pós-parto em mães de baixa renda” aponta que um dos fatores mais importantes para a depressão acontecer é a dificuldade de contar com a rede de apoio. Brasil é um país onde é difícil (muito!) achar oportunidades qualificadas de atendimento pré-natal, parto respeitado, acesso a doulas, grupos de amamentação (encontros onde um professional do tema -não pediatra- fica de plantão para atender as mães que precisam de assessoramento), grupos pós-parto ou grupos para encontros de mães e pais. Só pessoas que têm recursos econômicos acessam fácilmente a esse cardápio (ex: Casa Moara em São Paulo no Brooklyn), pois na cidade de São Paulo só existem duas casas de parto (Casa Ângela e Casa de Parto Sapopemba).
Voltado à mobilidade urbana. O bebê nasce, estamos na periferia. A mãe mora em uma comunidade onde as ruas não estão asfaltadas, não tem calçadas, há escadões sem corrimão nem descansos, a iluminação é muito escassa. Espaços para sentar uns minutos caso precise trocar a fralda do bebê ou alimentar ele: imagina! Nem pensar. Inclusive em bairros mais urbanizados os problemas são constantes.
Como é que essa mãe faz para sair à cidade? Como faz para ir em grupo de apoio, caso existisse perto da casa dela?
E o bebê? (a continuação texto do Blog MamaÉ Doula, de Elena de Regoyos)
“O ser humano é o único animal (fora os marsupiais) que nasce imaturo. Este não é um erro da natureza, evidentemente, senão que tem uma explicação causal, e outra “consequencial”:
A causa é a bipedestação e o aumento da capacidade cerebral (e por tanto, aumento do tamanho da cabeça). Ambas coisas, juntas, fazem com que se esperássemos o bebê estar no mesmo ponto de desenvolvimento cerebral que os outros primatas, ele já teria a cabeça tão grande que nem de longe iria caber pela pelve da mãe. Por tanto, o bebê não nasceria, ele morreria, e a espécie humana também, pois isso aconteceria com todos. Os primatas nascem com o 50% do cérebro adulto, os humanos com o 25% dele, e só vão alcançar o 50% quando eles tiverem 9 meses de idade (fora do útero), tempo considerado pela maioria de autores como um tempo de exterogestação, e só vai chegar ao 80% quando ele completar 2 anos.
(Na imagem, conexões e redes neuronais de um bebê recém nascido – 1 mês – 6 meses – 2 anos de idade)
A consequência é que, graças ao fato do ser humano nascer com grande parte do cérebro ainda por se desenvolver, ele vai ir criando conexões neuronais em interação com o entorno (pesquisadores de Harvard falam de 1 milhão por minuto no primeiro ano de vida) , que lhe oferece inúmeros estímulos a mais do que um fechado útero materno.
– Estar em “desenvolvimento incompleto”, na realidade, facilita mais a criatividade e a personalidade individual – (Pearce).
Lá fora, o bebê vai se adaptar ao meio no qual vai viver com uma plasticidade cerebral muito maior do que a de qualquer outro animal. O ser humano vai tratar de dominar o entorno, e para isso primeiro tem que compreendê-lo. Mas para isso, a interação tem que fazer com que ele se sinta seguro. E aí entra o contato físico com o corpo da mãe (ou de outro adulto-cuidador), que não só é gostoso, benéfico e recomendável, senão que é também necessário. Sem limite de tempo, quanto mais, melhor.”
O investimento na primeira infância traz impactos diretos na vida dessas pessoas de adultas: maior desenvolvimento no crescimento e cognitivo, melhor comportamento social, menos atos delictivos, maior saúde e QI…Mas claro, o resultado não chega em 4 anos de gestão de governo, é um investimento para uma melhor sociedade. Quem está disposto a ter paciência?
O primeiro investimento urbano é facilitar os primeiros meses de vida do bebê e seu cuidador. Se não sabe por onde começar ai vão algumas ideias: que tal melhorar as condições de mobilidade nas áreas mais vulneráveis? Melhores rotas até os equipamentos de primeira infância (saúde e cuidado), mais espaços de proximidade (lazer e encontros), grupos de apoio a mães e pais (como grupos de amamentação ou novos papeis do pai na criação)…Isso vai precisar de calçadas, tempos semafóricos confortáveis e seguros, melhores condições nos cruzamentos, iluminação, escadas, corremãos, redes de esgoto, coleta de lixo, espaços para sentar ou descansar….
Muita coisa?
Enquando administra seu orçamento público, pode apresentear as famílias com capacitações para saber carregar o bebê em um sling. Até pode organizar oficinas de costura para que as mulheres capacitadas gerem renda, com os seus produtos e seu aprendizado, sendo multiplicadoras.
Vai melhorar a qualidade de vida da mulher-recém mãe: favorece o contato mãe-bebê faz que o bebê chore menos, tenha diminua (ou zere) as cólicas, se acalme escutando o batimento do coração da mãe e o cheiro dela. A mãe terá mais autonomia de movimentos, maior liberdade na cidade. Terá mãos livres para não cair quando suba pelo escadão de 150 degraus sem apoios. Pode ser que tenha uma com alguma compra, mas a outra mão ainda fique livre. O stresse tóxico vai diminuir, para todos. Os bebês prematuros ou com outros problemas de saúde (na foto a seguir mãe e bebê com microcefalia). Quem sabe ajude a minimizar a depressão posparto e a reforzar o apego saudável.
Só tenha cuidado com uma coisa, por favor! carregar um bebê deve garantir a posição correta, respetar a fisonomia dele. Nem todos os carregadores garantem isso e uma assessoria de alguém experiente é necessária. As mochilas tipo Baby-Bjorn, nas quais os bebê fica pendurado e olhando para o exterior, são especialmente perigosas (“>aqui e aqui)
Na imagem a seguir: Posição correta, do “sapinho”, respeitando a fisonomia. Na segunda imagem, colocação incorreta
Pode ser uma outra mãe, uma amiga que conhece, ou alguém profissional do tema. Mas aprenda com carinho como carregar seu bebê. Você conseguirá uma posição que distribui melhor o peso do filho e vocês dois estarão mais confortáveis e saudáveis.
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Para quem quer saber mais sobre o tema:
Exterogestação. O bebê, emocional e fisiológicamente feito para ser carregado
http://mamaedoula.blogspot.com.br/2012/04/exterogestacao-o-bebe-emocional-e.html
Usos desaconselhados e potencialmente perigosos do sling ou porta-bebê
http://mamaedoula.blogspot.com.br/2013/05/usos-errados-prejudiciais-e-perigosos.html
A tal da posição “de budinha” no sling, e alternativas adequadas
http://mamaedoula.blogspot.com.br/2013/
Regras de segurança básicas para o uso de qualquer portabebê
http://mamaedoula.blogspot.com.br/2015/06/regras-de-seguranca-basicas-para-o-uso.html
Carregar bebês: instinto ou têcnica?
http://mamaedoula.blogspot.com.br/2016/05/carregar-bebes-instinto-ou-tecnica.html
Das indicações gerais a cada caso particular no babywearing
http://mamaedoula.blogspot.com.br/2016/06/das-indicacoes-gerais-cada-caso.html
Organismos internacionais
https://babywearinginternational.org
http://www.attachmentparenting.org
REFERÊNCIAS
1. Foto 1: https://www.pinterest.de/explore/john-lennon-hijos/
2. Fotomontagem:
Foto A – Turma da Mônica (Maurício de Souza)
Foto B – Modulor for Child – https://br.pinterest.com/pin/527624912567375269
Foto C – http://softmark.org/sites/default/files/images/stories/airports/mad1.jpg
Foto D – http://wordpresshulp.com/wp-content/uploads/2016/09/3871435067_09b48b7872.jpg
3. Fotomontagem:
Foto A – São Miguel Paulista (São Paulo) – Irene Quintáns
Foto B – Cidade Líder (São Paulo) – Irene Quintáns
Foto C – Caracas (Venezuela) – Leonardo Yánez
4. Foto: UOL Spiegel. Favela do Maré (Rio de Janeiro)
5. Imagem Redes neuronais – Center for the Developing Child at Harvard University
6. Foto do video BRAIN POWER: From Neurons to Networks
8. Foto: https://noticias.uol.com.br/saude/album/2016/03/30/massagem-canguru-e-balde-ventre-veja-tecnicas-para-relaxar-bebes-com-microcefalia.htm
9. Foto: Viela 134, no Jardim São Paulo, em Guaianases (São Paulo) https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/03/18/com-moveis-sem-espaco-nada-de-carne-de-boi-mae-de-6-conta-volta-a-pobreza.htm?cmpid=copiaecola
10. Foto: http://mamymamy.com.br
11. Foto:
12. Fotomontagem:
Foto A – Je Porte Mon Bébé – JPMBB https://jeportemonbebe.com/
Foto B – https://www.juicysantos.com.br/vida-caicara/santos-para-criancas/onde-comprar-sling-em-santos/
13. Fotomontagem:
Foto A – https://www.facebook.com/mamaeslings/ e https://www.siroue.com/
Foto B –http://www.babydoousa.com/
14. Foto – http://blackpagesbrazil.com.br/?p=7269