Começou como uma brincadeira: – “quem consegue contar mais tampas?” – “O que que é tampas, mamãe?”
– “Filho,as tampas que estão pela rua têm muitas funções. Cada uma delas serve para algo.”
Já pensou? isso que você pisa cada dia, o que tem embaixo? Quando eu estava na faculdade tive a matéria de Desenho de Redes Urbanas. Ai aprendemos que cada x metros há que se prever uma boca de lobo, uma tampa para acessar a rede de esgoto, de gás, de luz….E parecia um exagero. Como vou precisar de tudo isso de tampas? Não acredito! Na hora seguinte, caminhando pela rua, dava para perceber a imensa quantidade de tampas que há na calçada. Experimentem. Pois é.
Então meu filho e eu contamos tampas. Somos esses loucos que vão pela rua apontando pro chão e dizendo: vinte quatro! vinte cinco! vinte seis-vinte sete-vinte oitooooo! cento cinquenta! E é muito divertido.
Porque como acontece muitas vezes, o oculto é tão grande ou maior que as coisas visíveis. E para a cidade funcionar, precisa de redes que alimentam a cidade. Gás, Luz, Água, Chuva, Esgoto, Internet… As cidades estão costuradas por redes em superfície, soterradas e intangíveis. A cidade é um sistema de redes. Estas que estamos vendo, são meio esquecidas pois “ninguém” vê. Só quando há uma falha e tudo pára!
Mas o foco deste post é mostrar como coisas simples fazem que caminhar pela cidade seja um contínuo aprendizado para uma criança. Pode ser que, às vezes, você tenha a sorte de achar uma tampa aberta, inclusive pode ser que se você fala com os operários eles recebam você com um sorriso pois geralmente são invisíveis para os habitantes das cidades das pressas. Empatia, tecnologia urbana e descobertas, tudo em uma tampinha na calçada.
Inclusive as tampas ocultam o bem mais prezado: as redes de água. Compramos esta semana o precioso livro O Menino que Rio, de Gustavo Prudente com ilustrações do Victor Farat (Editora Evoluir, 2015). O que falar: chorei muito lendo ele para meus filhos. Porque a história é muito real e o texto muito sensível. E porque meus filhos também adoram a água. Quando chove só querem saber de galochas e pular pular pular.
“O menino fechou os olhos e prestou atenção. Percebeu que o choro vinha de baixo e foi seguindo, com o ouvi atento, o choro que não cessava…Tem alguém ai?”
“Eu preciso de ajuda, mas ninguém pode me ajudar. Você é só um menino, eu sou um rio, poluído e aprisionado debaixo desta rua”(1)
Em 2010 nasceu Rios e Ruas, “criado pelo Instituto Harmonia em 2010, fruto da parceria do arquiteto e urbanista José Bueno com o educador Luiz de Campos Jr. O projeto oferece o reconhecimento das principais bacias hidrográficas de São Paulo e a exploração in loco dos rios e riachos da cidade, soterrados ou não, por meio de oficinas prático-teóricas e vivências em expedições da nascente à foz dos cursos d’água” (2) “Isso não é justo! vamos libertar esses rios!, exclamou a dupla (3)
vinte quatro! vinte cinco! Mais um sistema complexo de redes que a cidade esconde.
“E, durante anos depois, os livros de história contaram a história de uma época em que o mundo mudou por causa de um menino que rio” (4)
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Créditos
Fotomontagem 1: Ruas de São Paulo. Irene Quintáns
Imagem 1: David Macaulay, Subterráneos da Cidade. São Paulo, Martins Fontes – Selo Martins (1988)
Imagem 2: Ruas de São Paulo. Irene Quintáns
Fotomontagem 2: Ruas de São Paulo. Irene Quintáns e David Macaulay, Subterráneos da Cidade
Imagem 3: Ilustração de FARAT, Victor para o livro O Menino que Rio. (Editora Evoluir, 2015)
Imagem 4: Ruas de São Paulo em dia de chuva. Irene Quintáns
(1) (3) e (4) Trechos do livro PRUDENTE, Gustavo; FARAT, Victor. O Menino que Rio. (Editora Evoluir, 2015)
(2) Site Rios e Ruas http://www.mostrarioseruas.com.br/
Imagem 5: Ilustração de FARAT, Victor para o livro O Menino que Rio. (Editora Evoluir, 2015)