A inspeção periódica de segurança veicular e de emissão de poluentes evitaria milhares de mortes em acidentes e doenças provocadas pela poluição atmosférica. Pela lei, a inspeção é obrigatória no Brasil desde 1997, mas governadores e prefeitos hesitam em adotá-la. Neste artigo, o especialista Olímpio Alvares discute os ganhos que as cidades brasileiras teriam se a inspeção fosse adotada de maneira permanente em todo o território nacional
As mortes promovidas pelo terrorismo reportadas sucessivamente nos noticiários e o frisson quase histérico causado pelo sobretom que são anunciadas pela animada grande mídia, fazem lembrar recorrentemente de um assunto interno brasileiro, que afeta a todos nós, embora a maioria da população e a própria mídia não estejam atentas a isso. Aproxima-se a semana da Virada da Mobilidade em São Paulo e o tema não poderia passar em branco.
A inspeção periódica de segurança veicular e de emissão de poluentes é obrigatória em todo país desde 1997 – art. 104 da Lei Federal 9.503/97. O Ministério das Cidades, o Denatran e os governadores, além dos prefeitos – responsáveis pela execução dos programas de inspeção veicular – não tomam as providências necessárias há quase 20 anos para implementar os programas.
A inspeção dos veículos é praticada com seriedade em dezenas de países desenvolvidos e em desenvolvimento há dezenas de anos; diga-se, com tranquilidade, aceitação popular e sucesso operacional. Resultado invariável: frotas bem mais limpas, silenciosas e seguras, menos acidentes, mortos e feridos e menos doentes e mortes antecipadas por enfermidades diversas causadas pela poluição. Quem vai a essas cidades sabe disso, ou simplesmente sente na pele a diferença do padrão civilizatório e do parque automotivo.
No Brasil, o Ministério Público, as autoridades de trânsito, meio ambiente e justiça, a polícia, as ONGs, enfim, ninguém mexe um dedo para que essa situação de “calamidade pública” seja equacionada, e para que os que não cumprem a lei sejam devidamente responsabilizados pela acintosa leniência e desídia supostamente criminosa.
Nesses últimos 20 anos, cerca de 500 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito, 10% possivelmente causados por falhas mecânicas que teriam sido evitadas com uma simples inspeção veicular sistemática dos cerca de 200 itens de segurança do veículo.
Como agravante, cerca de 30% dos veículos não são mais licenciados a cada ano (50% para as motos), formando um grandioso parque com milhões de sucatas ambulantes em circulação irregular e ameaçadora – a chamada Frota Cabrita – retrato típico de países subdesenvolvidos.
Por outro lado, considerando apenas os recentes números de mortalidade no Estado de São Paulo publicados pelo Instituto Saúde e Sustentabilidade, cerca de 360 mil pessoas teriam morrido prematuramente por doenças cardiorrespiratórias causadas pelas altas concentrações de material particulado fino cancerígeno do diesel, 40% emitido principalmente por veículos desregulados, que poderiam ter suas emissões muito reduzidas pela ação eficaz de programas de inspeção veicular. Esse impressionante nível de extermínio pode ser ainda bem maior, a depender de estudos semelhantes feitos no âmbito nacional.
Temos acompanhado o pronunciamento de importantes autoridades brasileiras, que se mostram publicamente consternadas com a situação do terrorismo em países distantes. Isso seria louvável, se o sentimento fosse de fato verdadeiro. Fica assim a dúvida, relativamente à inspeção veicular, obrigatória desde 1997: onde está essa aparente sensibilidade e consciência dessas autoridades que tem plenas informações sobre esse “holocausto” evitável – com perdas materiais e de vidas comparáveis a muitas grandes guerras da história da humanidade?
A história recente mostra que os agentes competentes permanecem imobilizados, insensíveis à decadência, e terrivelmente preocupados com a opinião pública e uma suposta perda de votos. Então, qual o caminho da grande Virada?
Olimpio Alvares é Diretor da L’Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técnica e emissões veiculares; é membro fundador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades (Sobratt) e ex-gerente da área de controle de emissões de veículos em uso da Cetesb