É assustador só de falar que o Brasil registra cerca de 47 mil mortes no trânsito por ano. Segundo dados da OMS, nosso país é o quarto colocado em número de mortes nas Américas, ficando atrás apenas de República Dominicana, Belize e Venezuela.
O acidente de trânsito corresponde à metade dos casos de lesão medular no país. Anualmente, 400 mil pessoas ficam com algum tipo de sequela. Para vocês terem ideia, entre as vítimas de acidente de trânsito atendidas nos centros de reabilitação da rede Lucy Montoro e AACD, metade sofreu lesão medular e se tornou paraplégica ou tetraplégica.
Esse contingente de deficiências que cresce assustadoramente custa caro para a saúde brasileira. O Governo gasta em média R$ 90 mil com uma vítima não fatal de acidente de trânsito. Segundo levantamento do Observatório Nacional de Segurança Viária, o custo dessa epidemia aos cofres públicos é de R$ 56 bilhões por ano.
Com tal quantia seria possível construir 28 mil escolas ou 1.800 hospitais. Poderíamos também zerar a fila do SUS por uma cadeira de rodas, criar centros de reabilitação e equipar os que já existem hoje no país e não são suficientes para atender a demanda.
Mas o que fazer para mudar essa realidade?
Durante minha experiência à frente da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida em São Paulo, desenvolvemos um software com o propósito de otimizar o uso da cidade e facilitar o ir e vir. O programa mapeava rotas com os principais serviços da cidade, como hospitais, escolas, bancos, órgãos públicos, etc.
Ao desenvolver este programa, chegamos a uma importante constatação que exemplifica na prática o que é fazer política urbana estratégica: ao melhorar 10% dos acessos em tais rotas, melhorávamos 80% da mobilidade urbana de toda a cidade. O resultado dessa simples conta é menos trânsito, filas e acidentes com quedas em calçadas e atropelamentos.
Vale lembrar ainda que a Lei Brasileira de Inclusão (nº13146/15), que foi relatada por mim na Câmara, completa no próximo mês três anos em vigor. Entre suas inúmeras inovações, essa legislação trouxe um novo olhar sobre a política de calçadas, ao transferir ao Poder Público a responsabilidade de construir e reformar o passeio das cidades.
As calçadas são a via pública do pedestre e precisam ser acessíveis, com boa iluminação, segurança e faixa de travessia inteligente. Quando há uma harmonia entre todas essas tecnologias há uma melhora muito grande na qualidade de vida das pessoas e na segurança no trânsito.
Ou seja, a calçada é uma política pública que passeia por várias áreas. Ela flerta com a saúde, o transporte, a segurança, o lazer, o turismo…
Outra questão fundamental é a sinalização das metrópoles. Neste quesito ainda temos muito a melhorar. Hoje, as cidades brasileiras têm 90% dos sinais de trânsito voltados apenas aos motoristas. A sinalização para pedestres e ciclistas está concentrada apenas em áreas de conflito com o tráfego de carros. É praticamente um convite da cidade para que as pessoas não andem a pé ou de bicicleta. No caso de muitas pessoas com deficiência isso significa simplesmente não sair de casa.
Na Suécia, por exemplo, substituíram os principais semáforos por semáforos sonoros. O resultado foi a diminuição do número de atropelamentos em 80%.
Diferentemente do que muita gente pensa, esses mecanismos sonoros não ajudam apenas as pessoas com deficiência visual, são úteis a todos os pedestres. Vale para o idoso, o homem distraído ou a criança que ainda não tem sua visão periférica completamente desenvolvida.
Contudo, investir apenas em infraestrutura não basta. Condutores e pedestres precisam seguir as regras do trânsito. Por isso, o investimento em educação é fundamental. A premissa vale também para os agentes de trânsito, que precisam ser treinados para perceber e coibir comportamentos antissociais. Não adianta apenas multar, é preciso fiscalizar e educar todos os envolvidos. E o Brasil ainda tem muito a aprender nessa matéria também.
Enfim, sem civilidade, fiscalização e políticas públicas, o direito de ir e vir é interrompido, muitas vezes, por manobras irreversíveis. Por isso, repensar nosso trânsito e trabalhar para aprimorá-lo é, acima de tudo, um ato de respeito à vida.