Texto e fotos: Uirá Lourenço
A recente queda de viaduto no Eixão leva a reflexões. Por todo o Distrito Federal, a situação é de abandono. Para quem caminha, pedala e usa ônibus os caminhos já ruíram há muitos anos.
O Brasília para Pessoas mostra o descaso regularmente. Além dos registros em fotos e vídeos e das solicitações enviadas ao GDF (por exemplo, pedidos de faixas de pedestre, reforma de calçadas e propostas de melhoria em ciclovia), apoiamos todo ano a campanha nacional Calçada #Cilada, que incentiva os cidadãos a denunciarem, por meio de aplicativo de celular, as crateras e os problemas ao caminhar. As centenas de denúncias encaminhadas ao GDF não resultaram em melhorias aos pedestres.
Promovemos as caminhadas Jane’s Walk (duas edições por ano, em maio e setembro), em que debatemos as questões urbanas com destaque para a mobilidade e a acessibilidade, e o Salto de Crateras, uma forma lúdica de chamar atenção para as calçadas deterioradas que se alastram pela cidade. Apesar das ações promovidas e das solicitações de providências, o descaso continua ao longo dos anos, nos diferentes governos. Nota-se que o descaso com o pedestre é apartidário.
Crateras avantajadas em diversos pontos da área central de Brasília.
Pedestres sem calçadas e sem faixas de travessia próximo ao bilionário estádio.
O caminho dos ciclistas também está em ruínas. A falta de conexões entre as ciclovias, a falta de sinalização, de manutenção e de iluminação e os inúmeros bloqueios são facilmente notados. Basta um trajeto curto de bicicleta na área central para constatar os problemas. Nem precisar ir até a EPTG (“Linha Verde”) para conferir as contradições entre o enorme espaço voltado ao transporte automotivo (com alto limite de velocidade) e a total ausência de espaço a pedestres e ciclistas. A análise detalhada da ciclovia na Asa Norte, elaborada e protocolada em diversos órgãos do GDF em junho de 2015, reuniu imagens e análises do trajeto e apresentou propostas de melhoria, mas ficou engavetada, sem qualquer providência.
Interrogações questionam a falta de continuidade nas ciclovias da EPIG (Sudoeste) e da W4 Norte. |
Ciclovia com várias rachaduras e sem continuidade: realidade em todo o DF. | Ciclista disputa espaço com carros em alta velocidade na EPTG (“Linha Verde”). |
Outro ponto que vale destacar é a omissão relativa à educação e à fiscalização no trânsito, que resulta em invasão de canteiros, calçadas e ciclovias e em bloqueios diários no caminho de pedestres, ciclistas e usuários de ônibus. Cada vez mais, a capital federal se transforma num enorme estacionamento e, assim, a Cidade Parque se transforma em Cidade Parking.
A pedido de servidores da Secretaria de Mobilidade e do Detran-DF fiz, em 2016 e em 2017, levantamento de locais críticos com estacionamento irregular. Além do levantamento com indicação dos locais, criei álbum com dezenas de imagens das infrações e do estado de inacessibilidade. No entanto, o trabalho realizado não resultou em ações práticas de melhoria.
Aos que usam o transporte coletivo, a situação é de calamidade: ônibus superlotados, pontos sem abrigo, falta de informações sobre linhas e horários, escassez de corredores exclusivos e não cumprimento das promessas de linhas de VLT, expansão do metrô e trens regionais entre o Distrito Federal e cidades de Goiás. Em 2014, durante a campanha eleitoral para governador, Rollemberg fez muitas promessas ao transporte coletivo (vídeo).
Sufoco na volta para casa: filas e pontos de ônibus lotados e, muitas vezes, sem abrigo.
No início da Asa Sul, nas proximidades do viaduto que desabou, produzi vídeo em junho de 2017 para revelar as péssimas condições aos pedestres e ciclistas. O cenário é desolador: faltam calçadas, pontos seguros de travessia e caminhos para ciclistas. Sobram crateras e agressividade no trânsito. Em fevereiro de 2018, após a queda de parte do Eixão Sul, na mesma semana os tratores estavam no local para rasgar canteiros em obras para aumentar a fluidez motorizada. A quem passa a pé e precisa pegar ônibus ou metrô, muitas crateras e lama no caminho. Curiosamente, foi instalada placa para orientar a travessia por baixo, mas as calçadas destruídas e as escadas dificultam ou mesmo impedem a travessia pela passagem subterrânea.
Obras “emergenciais” voltadas ao transporte automotivo contrastam com as péssimas condições aos pedestres em volta do viaduto que desabou.
A rodoviária do Plano Piloto, no início da Esplanada dos Ministérios, é a síntese perfeita do abandono. O descaso com quem anda e depende do transporte coletivo é evidente. Bem próximo aos Poderes da República (Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal) e ao lado de atrações turísticas como a Catedral e o Museu da República, a inacessibilidade é total e contrasta com as belas leis (federais e distritais), que garantem acessibilidade e prioridade aos modos ativos (“não motorizados”) e coletivos de transporte.
Crateras, lama e muitas filas na rodoviária do Plano Piloto, Esplanada dos Ministérios.
E o que dizer da integração entre a bicicleta e o transporte coletivo, incentivada em cidades modernas? No principal terminal urbano, a rodoviária do Plano Piloto, que concentra diversas linhas de ônibus e de onde saem as duas linhas de metrô, o espaço para bicicletas, que já era péssimo (descoberto, sem controle de acesso e com suportes destruídos), atualmente se encontra totalmente deteriorado e com acesso bloqueado por tapumes. Faltam vagas para os ciclistas e faltam caminhos de ligação pela rodoviária: as ciclofaixas de antes estão apagadas e invadidas por carros e ônibus.
Na rodoviária do Plano Piloto, péssimas condições aos ciclistas: “bicicletário” interditado e com suportes destruídos; ciclofaixa apagada e invadida por carros e ônibus.
– De quem é a responsabilidade?
Gostaria de ver as autoridades se manifestarem sobre os motivos de tanta omissão ao longo de vários anos. Não bastassem as leis federais – em especial, o Código de Trânsito e a Política Nacional de Mobilidade Urbana –, várias leis distritais tratam da mobilidade urbana.
A Lei Distrital n° 3.885, de 2006, já assegurava a “mobilidade urbana sustentável”, “socialmente inclusiva e ecologicamente correta”, com “priorizações dos modos de transporte coletivo e não motorizado”. O Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade no DF, de 2011, tem entre os objetivos: “reduzir a participação relativa dos modos motorizados individuais”; “desenvolver e estimular os meios não motorizados de transporte”; “reconhecer a importância dos deslocamentos de pedestres e ciclistas, com proposições adequadas às características da área de estudo”; “proporcionar mobilidade às pessoas com deficiência ou restrição de mobilidade”; “priorizar, sob o aspecto viário, a utilização do modo coletivo de transportes e a integração de seus diferentes modais”. A Lei Distrital n° 4.397, de 2009, criou o Sistema Cicloviário e determinou: “As novas vias públicas, incluindo pontes, viadutos e túneis, devem prever espaços destinados ao acesso e circulação de bicicletas, em conformidade com os estudos de viabilidade.”
No programa do atual governador há um capítulo voltado à mobilidade urbana, com objetivos condizentes com a mobilidade moderna, tais como: “Ampliar o uso de bicicletas para deslocamentos diários casa-trabalho e casa-escola”; “Facilitar o uso das calçadas pelos pedestres”; “Promover acessibilidade para as pessoas com deficiência ou dificuldades de locomoção”; “Propor a criação de um novo arranjo institucional para o sistema de mobilidade urbana e semiurbana, que defina as atribuições de cada um dos governos da Área Metropolitana de Brasília (AMB), e que tenha o modal ferroviário como preferencial”.
Conclui-se que o rumo tomado pelos seguidos governos, ao priorizar o transporte individual motorizado e deixar às mínguas o transporte coletivo e a mobilidade ativa, está na contramão do que determinam as leis e do que está disposto no programa de governo. E não dá para alegar falta de recursos, afinal as obras rodoviaristas do TTN (conjunto de pistas, túneis e viadutos no norte do DF) têm custo inicial de R$ 207 milhões. A EPTG (“Linha Verde”) passou por mega-ampliação com custo superior a R$ 300 milhões. Quantos quilômetros de calçadas daria para reformar com os recursos gastos nas seguidas ampliações viárias? Quantos abrigos de ônibus e quantos quilômetros de VLT daria para construir?
Após o desabamento do viaduto, o governador e o diretor do DER tiveram que se manifestar publicamente sobre a falta de manutenção dos viadutos. Quem dará declarações e assumirá a responsabilidade pelo evidente – e fartamente registrado – estado de abandono nos caminhos de quem anda, pedala e depende do transporte coletivo?!
VÍDEOS SOBRE A IMOBILIDADE EM BRASÍLIA:
– Esplanada dos Ministérios: inacessibilidade vergonhosa em Brasília:
– Imobilidade e rodoviarismo no norte do DF:
– Missão Impossível: Travessia na EPIG: